A revisão das regras no futebol assenta no "senso comum"

Antigo árbitro passou 18 meses a rever as leis do jogo e defende uma actualização para preservar a imagem da modalidade.

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O jogo de abertura ficou marcado pelos erros do árbitro Yuichi Nishimura Ivan Alvarado / Reuters

O futebol sempre foi um desporto relativamente simples, ancorado em 17 leis do jogo que têm permanecido, em grande medida, inalteradas desde o século XIX. Esse enquadramento é agora garantido por cerca de 22.000 palavras, que geram interpretações por vezes diversas, criando divergências que os responsáveis estão a tentar minimizar.

O antigo árbitro da Premier League David Elleray passou 18 meses a rever o livro das leis do jogo, no sentido de proceder a uma actualização dos conteúdos pela primeira vez desde 1930, então pela mão de Stanley Rous, que mais tarde se tornaria o presidente da FIFA (de 1961 a 1974).

Elleray examinou incidentes que vão desde pequenas infracções cometidas no futebol de formação a um desentendimento entre jogadores antes de um clássico do futebol inglês, coligindo opiniões dos responsáveis de arbitragem de cada uma das seis confederações da FIFA.

"O que tentámos fazer foi acrescentar algum senso comum, escrever numa linguagem mais clara, dizer aos árbitros que seja mais sensíveis ao espírito do jogo que estão a controlar e actualizar as leis", explicou Elleray aos jornalistas. "A maioria das alterações tem a ver com senso comum. Actualmente, especialmente com algumas situações que não ocorrem tão frequentemente, as leis são um pouco estranhas, porque foram sendo acrescentadas ao longo dos anos", acrescentou.

De acordo com o antigo árbitro, o objectivo é levar os adeptos a compreenderem por que razão os árbitros tomam determinadas decisões, garantindo maior respeito pelo sector.

O caso Keane/Vieira
As leis, inicialmente projectadas em 1863, quando a antiga Federação de Futebol foi formada em Inglaterra, constituem o grande elo de ligação entre os diferentes escalões e os diferentes níveis competitivos do desporto, em Inglaterra ou Portugal, no Soweto ou em Miami.

Ao contrário de outras modalidades, que têm dezenas de leis, no futebol são apenas 17, mas Elleray enfrentou uma tarefa árdua ao reduzir as regras e a sua interpretação de 22.000 para 12.000 palavras.

A título de exemplo sobre a forma o desenvolvimento do jogo acabou por tornar algumas regras obsoletas, Elleray recorda o momento em que Roy Keane (Manchester United) e Patrick Vieira (Arsenal) quase chegaram a vias de facto no túnel de acesso ao relvado, antes de um jogo em Highbury Park, em 2005.

"Todos nos lembramos da famosa troca de palavras entre Keane e Vieira. Se esse incidente tivesse desembocado em agressões físicas, o que se esperaria que acontecesse aos jogadores?", questionou. "Esperaríamos que os dois fossem expulsos e impedidos de jogar, mas não é isso que acontece".

Elleray explica que, de acordo com os regulamentos actuais, um árbitro não pode expulsar jogadores no túnel, porque ainda não estão dentro do terreno de jogo. Essa regra foi adoptada antes de as duas equipas ase perfilarem lado a lado no túnel, momentos antes do arranque da partida.

"No futuro, o que vai acontecer é que esses dois jogadores não serão autorizados a jogar, ainda que as duas equipas alinhem com 11 jogadores na mesma, utilizando um suplente", ilustrou, após uma reunião do International Board (IFAB), em Londres. "Este é um exemplo de como as leis não se actualizaram. E precisam de ser actualizadas, para podermos proteger a imagem do desporto".

Da base até ao topo
Estas propostas de alteração decorrem em simultâneo com experiências de utilização de repetições de imagens de vídeo, que poderão vir a ser testadas a partir da próxima temporada. Mas Elleray, que apitou ao longo da carreira 78 jogos internacionais, fez questão de enfatizar que as suas revisões se aplicam tanto ao futebol de formação, sem recurso a tecnologia, como ao futebol de elite.

Todos os aspectos das leis foram avaliados, incluindo a regra que determina que um jogador tem de abandonar o terreno de jogo depois de ser tratado a uma lesão menor, tendo depois de esperar pela autorização do árbitro para reentrar em campo.

A lei do fora-de-jogo, por seu lado, não será alterada, com excepção de um aspecto técnico que diz respeito ao local onde deverá ser batido um livre indirecto em determinadas circunstâncias.

A nova versão das regras deverá ser aprovada na reunião anual do IFAB, que terá lugar em Cardiff, durante o mês de Março.

 

 

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