Espanha: Novas eleições ou pacto de último minuto são os cenários mais prováveis

As próximas semanas serão de audiências com o rei e negociações, mas em Madrid já há líderes que falam como se estivessem em campanha. O governo de quatro anos que Mariano Rajoy diz querer liderar é uma possibilidade cada vez mais longínqua.

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Iglesias cumprimenta a vice-presidente Soraya Sáenz de Santamaría, sentada ao lado de Rajoy Juan Medina/Reuters

Na próxima quarta-feira, exactamente um mês depois das legislativas de Dezembro, a recém-eleita Mesa do Congresso de Deputados vai reunir-se para discutir as propostas de formação de grupos parlamentares. O debate de dia 20 vai reflectir um dos maiores obstáculos a um entendimento à esquerda: o Podemos insiste que os seus deputados se organizem em diferentes grupos, o seu mais os das três coligações regionais que concorreram com o seu apoio, na Galiza, Catalunha e Valência; o PSOE opõe-se.

Das legislativas saiu o Congresso mais fragmentado da história democrática da Espanha e não há contas fáceis que permitam a formação de um governo. O primeiro-ministro em funções, Mariano Rajoy, quer uma grande coligação à alemã, que junte a direita do seu Partido Popular aos socialistas e conte com o apoio do Cidadãos, o partido que se diz centrista mas todos vêem como um PP regenerado e liberal nos costumes.

As pressões para esta solução são muitas e têm origens várias. Quase todos os dias há colunas de opinião nos jornais mainstream a apelar a esta solução, a mesma que preferem os principais grupos económicos. Na sexta-feira foi o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a pedir “um governo estável” e formado “o mais rapidamente possível”, e há até um sector do PSOE que defende que o partido se deve abster e permitir a Rajoy um segundo mandato.

O rei Felipe VI começa a ouvir os partidos na segunda-feira e conta terminar as rondas até ao fim da semana. A Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) já fez saber que vai faltar ao encontro, protestando assim com o monarca por este ainda não ter recebido a presidente do parlamento da Catalunha, Carme Forcadell, eleita em Outubro, nem o novo líder do governo regional, Carles Puigdemont. A Mesa do Congresso prevê marcar para o início de Fevereiro o primeiro debate de investidura.

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O líder socialista, Pedro Sánchez, insiste que quer formar um governo de esquerda e desdobra-se em entrevistas onde sublinha a agenda social que o une ao Podemos, o partido saído do movimento de contestação popular 15M e liderado por Pablo Iglesias. O problema é o que os separa. Os melhores resultados do Podemos foram na Espanha que fala outras línguas, País Basco, Valência, Galiza e Catalunha, onde a sigla En Comú Podem foi a força mais votada, com 24,74%. O partido defende “uma Espanha territorialmente diversa” e o PSOE recusa debater questões territoriais.

Para além disto, a fragmentação do voto resultou num cenário em que as alianças mais óbvias não chegam para a maioria de 176 no hemiciclo de 350: PP e Cidadãos somam 163 deputados; PSOE e Podemos 159. O candidato proposto pelo rei é eleito à primeira se obtiver maioria absoluta; caso contrário, haverá uma segunda votação, 48 horas depois, onde já é suficiente que tenha mais votos a favor do que contra. O processo pode repetir-se sucessivamente ao longo de dois meses, altura em que se ainda não houver primeiro-ministro o Congresso se dissolve e são marcadas novas eleições.

O que também saiu das urnas é uma direita claramente dominada pelo PP – o Cidadãos, de Albert Rivera, ficou muito aquém do que antecipavam as sondagens – e uma esquerda onde PSOE e Podemos disputam a hegemonia

PSOE dividido
“O PSOE está muito dividido. O núcleo de Sánchez acredita que podem formar governo, outros não vêem grandes problemas em ir de novo a eleições ou mesmo em permitir a entrada em funções de Rajoy com um governo de minoria”, diz ao PÚBLICO Ferran Casas, ex-editor de Política do jornal catalão Ara, desde Agosto o correspondente do diário em Madrid.

Aqui, “a chave”, diz o jornalista, será a poderosa presidente do governo da Andaluzia, Susana Díaz, que nunca escondeu querer liderar o partido e o país. “Se for preciso desempatar, será ela a decidir, e até pode preferir um governo de direita, que dure dois anos. As contas serão as do seu próprio calendário.”

As divisões já são públicas, com os barões socialistas a criticarem ferozmente Sánchez por ter emprestado senadores a dois partidos nacionalistas catalães, a ERC e a DiL (candidatura da Convergência, de Artur Mas) para estes poderem formar grupo autónomo no Senado.

A decisão também não foi bem recebida pelo Podemos, até porque estes mesmos partidos já têm assegurado o apoio do PSOE e do PP para formar grupo próprio na câmara baixa. Nada que se compare às críticas de Iglesias ao acordo obtido por Sánchez para eleger o socialista basco Patxi López presidente do Congresso, com os votos a favor do Cidadãos e a abstenção do PP. Iglesias acusou Sánchez de ter dado o primeiro passo para permitir um governo de Rajoy e de ter deixado a Mesa do Congresso nas mãos da direita: entre vice-presidentes e secretários, o PSOE tem um lugar e o Podemos dois; o PP ocupa três cargos e o Cidadãos dois.

“Infelizmente, temos um Partido Socialista que diz uma coisa e faz outra. Negoceia com um partido [Cidadãos] dias depois de dizer que é de direita”, insistiu este sábado Iglesias em Lisboa, onde participou num comício da candidata do Bloco de Esquerda às presidenciais, Marisa Matias. “O que pedimos ao PSOE é coerência, e coerência não é dizer que quer liderar um governo à portuguesa e depois trocar um cargo [o de Patxi Lopez] pelo controlo da Mesa, onde a direita nos vai colocar todas as dificuldades do mundo para avançarmos com leis sociais urgentes”.

Iglesias garantiu que não deseja novas eleições e que vai “trabalhar para que haja uma alternativa ao PP”. Para construir essa alternativa, afirmou em novo recado ao PSOE, “o mais razoável é não pactuar com o PP”. Mas Iglesias sabe que as sondagens o favorecem num cenário de regresso às urnas. Um inquérito realizado sábado pelo instituto Invymark antecipa que tanto o PP como o Podemos subiriam em novas eleições, ao mesmo tempo que PSOE e Cidadãos desceriam.

“O PSOE e o Podemos já estão em campanha. Cada declaração de Sánchez e Iglesias é para ser lida nesse contexto, com cada um a responsabilizar o outro por um eventual governo de Rajoy”, analisa Ferran Casas.

Uma legislatura dura
Segundo o diário El Mundo, o PP admite três cenários, incluindo dois que implicariam a queda de Rajoy. O actual líder só ficará em funções num cenário de eleições antecipadas. Se Sanchéz conseguir formar governo, Rajoy tem os dias contados e será derrotado no congresso previsto para depois da formação de um executivo; caso o PP consiga o apoio do PSOE este obrigará o partido abdicar do líder.

Na eventualidade de Sánchez ainda conseguir formar o seu “governo progressista”, Ferran Casas antecipa uma legislatura muito dura, com o PP a “sentir que ficou de fora injustamente” e a “assumir uma atitude absolutamente hostil”. O jornalista lembra que o mesmo aconteceu em 2004, quando os conservadores perderam inesperadamente as eleições a seguir aos atentados de 11 de Março e à polémica sobre a atribuição errada dos ataques à ETA.

Convém ainda lembrar que com a actual distribuição de lugares nas duas câmaras do Parlamento não se vislumbra qualquer possibilidade de reforma constitucional, como defendem PSOE, Podemos e Cidadãos. Não só o PP tem maioria absoluta no Senado (uma câmara com poderes inexistentes, excepto neste caso) como são precisos dois terços dos membros do Congresso para mudar a Constituição.

“Seja o que for que aconteça, não vai ser na próxima semana nem na seguinte, vai ser em Março. Se Sánchez não conseguir um acordo com o Podemos pode acabar por permitir a formação de um governo de direita com outro líder, mas isso só se seria anunciado in extremis, em nome da estabilidade”, diz Ferran Casas. Qualquer que seja o primeiro-ministro, o jornalista não acredita que dure quatro anos. “E se tivesse de apostar, diria que vamos voltar a votar na Primavera”.

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