Margarida, a mais nova autarca do país, quer provar que a sua geração não está perdida

Tem um ano para ouvir os jovens do concelho da Feira, analisar propostas, aplicar soluções. Margarida Sá tem 15 anos e dez mil euros para gerir. É escuteira, joga voleibol e quer conhecer a América.

Fotogaleria
Marco Duarte
Fotogaleria
Marco Duarte

Margarida Sá tem 15 anos, está no 10.º ano de Ciências e Tecnologias da Secundária de Santa Maria da Feira, adora viajar, é escuteira, joga voleibol, e sonha fazer um inter-rail pela Europa e conhecer a América. Ainda não sabe o que vai estudar quando terminar o secundário. No mês passado, venceu a segunda edição do projecto Jovem Autarca da Câmara da Feira e tremeu quando anunciaram que a abstenção na sua escola era de 74%. Votos contados, eleições ganhas entre 18 candidatos, dez raparigas e oito rapazes, dos 13 aos 17 anos, de 12 escolas. Nesta eleição do Jovem Autarca, iniciativa que apela a uma participação dos jovens nas decisões políticas do seu município, votaram 4816 alunos num universo de 8227 – 58,5% dos alunos foram às urnas. Margarida foi a mais votada com 689 votos.

O projecto Jovem Autarca segue os passos das eleições à séria. Há campanha, propaganda, debates, estratégias para cativar a atenção dos colegas. “O futuro é dos jovens e os jovens somos nós” foi o slogan que Margarida Sá escolheu para passar as suas mensagens. Resultou e agora é hora de arregaçar as mangas. De 15 em 15 dias, está na Câmara com porta aberta para ouvir o que os jovens têm a propor para o desenvolvimento do território que pisam. No seu manifesto, colocou três ideias que, no entanto, podem sofrer alterações durante o seu mandato que terminará no final deste ano. Ter paragens de autocarro cobertas nos circuitos que os alunos usam para chegar às escolas, programar um evento em que todos tenham oportunidade de experimentar a oferta cultural e desportiva do concelho, estabelecer uma parceria com o cineteatro da cidade para a exibição de filmes para jovens ao fim-de-semana – criando-se um cartão de cinema jovem com descontos para espicaçar a procura – estão na sua lista. Outras propostas são bem-vindas e o orçamento está estipulado. Margarida e a sua equipa de 18 elementos, alunos de várias escolas com idades entre os 13 e os 16 anos, têm dez mil euros que saem do orçamento municipal. “Os dez mil euros não deverão chegar para tudo o que queremos fazer, mas temos de chegar a um consenso e ver o que, de facto, é concretizável com o dinheiro que temos”, refere. Sofia Pais, vencedora da primeira edição do Jovem Autarca, aplicou os dez mil euros no reconhecimento do mérito dos melhores alunos e na construção de um parque para skates que ainda vai sair do papel. A segunda vencedora promete olhar em várias direcções. “Não quero cingir-me apenas à minha escola, seria incorrecto pensar apenas em medidas para melhorar a minha freguesia”.

Margarida Sá esteve atenta ao que se ia passando com a colega Sofia Pais e decidiu assistir à apresentação da iniciativa na sua escola. Os amigos incentivaram-na a candidatar-se e a vontade de participar manifestou-se. “Decidi concorrer porque é uma experiência única para pessoas da nossa idade. É importante termos este tipo de experiências e estarmos em contacto com diferentes realidades, trabalharmos em equipa, conhecermos pessoas do concelho e de outras freguesias que podem ter maneiras diferentes de ver as coisas. É um projecto bastante enriquecedor para o concelho”, diz.

Olhando à volta, percebe que nem todos os jovens da sua idade se preocupam com questões políticas e com o desenvolvimento do concelho onde moram, estudam, crescem. Tem colegas que até acham o projecto interessante. “Mas falta-lhes iniciativa, algum interesse para fazer a diferença”, repara. Apesar disso, acredita que a sua geração é capaz de mudar o mundo, deixar marcas no futuro. “Há uma geração que quer provar que não está assim tão perdida”. É da sua geração que fala. “Temos algum valor e, se calhar, até conseguimos melhorar as coisas, fazer ainda melhor. Por outro lado, há uma falta de interesse pela política e isso pode afectar certos aspectos. Mas é uma geração que quer provar o que vale e que pode, de facto, mudar o mundo”. A política pode aparecer no seu futuro? Margarida já pensou nisso e o assunto nunca lhe foi estranho – a mãe e o avô têm ligações à política local. “A política é um tema que sempre me irá interessar. Quero manter um pouquinho desse gosto no futuro”. Vê notícias na televisão, lê jornais, procura estar actualizada. “Há uma falta de preocupação pela falta de interesse dos jovens pela política, mas há os que querem provar que podem melhorar as condições da população e que é possível termos um melhor país e melhores políticos. Claro que não é fácil”, comenta. E o que será preciso para termos melhores políticos? A resposta começa em poucos segundos. “Um facto que acho impensável é termos tanta corrupção no nosso país e um grande problema é estarmos tão cingidos aos partidos. Por vezes, um partido pode apresentar uma medida importante, mas que outro partido não concorda por não ser uma ideia sua”. “É muito importante termos vontade de querer saber e de não sermos um povo que simplesmente vai naquela. Devemos querer saber o que se passa no nosso país”, acrescenta.

Há vários concelhos de olho no projecto
A autarca mais jovem do país é boa aluna, joga voleibol, é escuteira desde os sete anos. Gosta de trabalhar em equipa, sente-se à vontade na capacidade de comunicar, e admite que é um pouco indecisa. “Gosto de conhecer todas as opções, como podemos fazer, o que até pode ser bom porque dá oportunidade de ouvir melhor os meus colegas”. A indecisão estende-se à área a escolher nos estudos. Pensou seguir Economia no 10.º ano, acabou por optar por Ciências pela diversidade da oferta, e as engenharias estiveram sempre de lado, ainda pensou em Direito e percebeu que não seria por aí. Gosta de Matemática, Biologia interessa-lhe neste momento. Tudo em aberto, portanto.

Margarida é optimista, gosta de viajar – já esteve em Inglaterra, França, Suíça e Espanha –, vê-se a estudar no estrangeiro, e sonha fazer um inter-rail pela Europa. Conhecer outras realidades, absorver novas culturas, e até aprender uma nova língua, são desejos que mantém em banho-maria e que espera concretizar.

Um ano pela frente como jovem autarca e expectativas lá no alto. “Tenho algum receio de desiludir, mas acho que vai correr bem. Estou a dar a cara, posso ter várias dificuldades, mas tenho uma grande equipa para me apoiar e isso vai ser muito importante”. Daqui a um ano, espera que tenha valido a pena. “Quero chegar ao final e ver que para nós foi um bom projecto e que o concelho e os jovens agradecem o nosso contributo”.

O programa Jovem Autarca, aplicado pela Câmara da Feira, pioneiro no país, surgiu para potenciar comportamentos de cidadania, valorizar opiniões e ideias dos jovens e estimular uma participação nas decisões políticas. Está aberto a todos os jovens que residam ou estudem no concelho da Feira e que tenham entre 13 e 17 anos. O vencedor eleito é o porta-voz dos colegas, tem de concretizar projectos e gerir um orçamento. A iniciativa tem despertado a atenção de vários municípios. Valongo, Boticas, Oeiras, São João da Madeira, Pombal e a Direcção-Regional do Algarve do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) já pediram informações à autarquia feirense.

O presidente da Câmara da Feira, Emídio Sousa, ficou surpreendido com “a qualidade de pensamento dos jovens”. “Pensava que não tinham maturidade, mas estava errado. Temos uma juventude muito bem preparada, consciente dos problemas”, afirma. O projecto, garante, tem sido um sucesso. “O maior êxito é pôr os jovens a pensar em política, no local onde vivem, na sua terra”. O autarca gostaria de ver o projecto replicado noutros municípios. “É um fortíssimo motor para os jovens pensarem na política é até, quem sabe, diminuir a taxa de abstenção nos actos eleitorais”, conclui.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários