Falácias e parcerias público-privadas

Em que componente da missão da universidade se inscreve a realização de uma PPP e de cursos de formação profissional?

De volta ao projeto do Reitor do ISCTE de construção de dois hotéis e de um centro de formação e investigação em gestão hoteleira equipado com cozinhas de topo, alienando para o efeito terrenos e edifícios do ISCTE no âmbito de uma parceria a estabelecer com um grupo hoteleiro privado.

1. Como foi já salientado por Vital Moreira, se para o apoio ao ensino da gestão hoteleira fosse necessário dispor de hotéis próprios, para ensinar gestão da saúde (um curso que o ISCTE também oferece) seria necessário construir um hospital. Ora, nem o ensino da medicina requer a construção de hospitais próprios. As novas faculdades de medicina, criadas em Portugal depois de 1974, garantem as condições de prática hospitalar requeridas para a formação de médicos através da realização de protocolos com os hospitais da sua região.

2. Se o Reitor do ISCTE quer desenvolver o ensino da gestão hoteleira, e entende que para tal é necessária a experiência prática de gestão de um hotel real, pode sempre fazer protocolos para esse efeito com hotéis da cidade de Lisboa. Embora não se perceba bem essa necessidade de formação, a não ser que se confunda o ensino superior de formação de gestores em hotelaria com a formação profissional de técnicos de hotelaria. O que, convenhamos, está completamente fora do âmbito da missão das universidades.

3. E não se diga que a parceria com um grupo hoteleiro é necessária para a construção de instalações que o ISCTE não pode custear e que seriam, no essencial, afetas ao ensino de hotelaria. Nos terrenos do ISCTE que o Reitor quer alienar a um grupo hoteleiro como contrapartida para a construção daquelas instalações existe um edifício onde funcionam hoje serviços da Direção Geral dos Transportes Terrestres. Edifício existe, não precisa de ser construído de raiz por um grupo hoteleiro como contrapartida da cedência dos terrenos onde esse edifício está instalado. Por outras palavras: é a cedência de terrenos, com a consequente demolição dos edifícios neles existentes, que cria a necessidade de construção de novas instalações…

4. Ou seja, instalações existem, embora sem cozinha de topo. Mas, uma vez mais, não se percebe qual a componente do ensino da gestão que requer a aprendizagem da culinária. Uma vez mais parece que estamos perante uma confusão entre ensino superior de formação de gestores em hotelaria e formação profissional de técnicos de hotelaria, totalmente fora do âmbito da missão das universidades.

5. Como também não faz qualquer sentido que se argumente ser necessária uma parceria com um grupo hoteleiro para ter acesso a condições especiais de alojamento de alunos e professores estrangeiros de passagem pelo ISCTE. Se os hotéis a construir não serão do ISCTE, o que os distingue de todos os outros hotéis já existente na imediação do Instituto com os quais seria possível estabelecer acordos com aqueles mesmos objetivos?

6. Em resumo, por que razão quer o Reitor do ISCTE fazer com o património da instituição uma parceria público-privada (PPP) com um grupo hoteleiro para atingir objetivos que podem ser alcançados, no essencial, com a realização de acordos com hotéis já existentes? E por que razão o projeto dessa parceria confunde sistematicamente ensino universitário em gestão hoteleira com formação profissional de técnicos de hotelaria? Em que componente da missão da universidade se inscreve a realização de uma PPP e de cursos de formação profissional?

Sociólogo, professor no ISCTE-IUL

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