Ilídio Araújo, um pioneiro do paisagismo desencantado com o país

Publicação de fotobiografia homenageia arquitecto paisagista e agrónomo, que morreu há um ano, deixando obra em vários pontos do país e que muito se revoltou contra a destruição de Portugal pelo betão.

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Ilídio Araújo morreu a 14 de Janeiro de 2015, no Porto DR
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O arquitecto paisagista era natural de Celorico de Basto DR
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Em 1978, o arquitecto Ferreira dos Santos retratou-o assim, num cartoon, em 1978 DR

Poucos terão ouvido falar dele. Mas muitos de nós já passeamos em jardins desenhados por um dos primeiros arquitectos paisagistas portugueses, condiscípulo de Viana Barreto e de Gonçalo Ribeiro Telles. Ilídio Alves de Araújo morreu há um ano. Uma fotobiografia, escrita por Fernando Santos Pessoa com o apoio do Centro Nacional de Cultura e da Associação Portuguesa, lança alguma luz sobre a vida e a obra de um homem discreto, apontado, por conhecidos e amigos, como um "sábio", que deixou publicado, e por publicar, uma imensa obra de reflexão sobre o território português.

Quando Ilídio Alves de Araújo morreu, a 14 de Janeiro, no Porto, a própria família pouco sabia da importância do seu trabalho. Um dos seus três filhos, Francisco, que na quinta-feira passada, na reitoria da Universidade do Porto, assistiu ao lançamento da obra A Arquitectura Paisagísta em Ilídio Alves de Araújo – uma fotobiografia, assume que só depois do desaparecimento físico do pai, e através dos depoimentos de amigos, se aperceberam que aquele homem que em 1925 nascera num planalto em Celorico de Basto, e que pouco falava do seu trabalho, tinha deixado marcas profundas naqueles que com ele tinham convivido. E muita obra espalhada pelo país.

É dele a requalificação dos Jardins da Cerca do Convento de Santa Marinha da Costa, transformado em pousada, num projecto com a assinatura de Fernando Távora. Arquitecto com quem trabalhou, nas mesmas funções, na reabilitação do mosteiro de Refóios do Lima, que alberga a Escola Superior Agrária de Ponte Lima. Reabilitou várias quintas no Norte do país, interveio em matas como a de Camaride, em Caminha, ou a do Choupal, em Coimbra, e desenhou jardins públicos em vilas e cidades do litoral ao Interior - quase sempre sem assinatura. E, enquanto técnico com responsabilidades na área do ordenamento do território no Norte, ajudou a definir, com Santos Júnior, a primeira área protegida do país, a Reserva Ornitológica do Mindelo e desenhou, há quatro décadas, um grande parque metropolitano, cintura verde à volta da área urbana do Porto, que os concelhos limítrofes têm tentado, também recentemente, criar.

O encantamento de percorrermos, de carro, a serpenteante estrada de acesso ao Bom Jesus do Monte, em Braga, devemo-lo a ele, lembra o paisagista Manuel Sousa, que em 2009 o homenageou publicamente, de surpresa, durante um congresso ibérico de Parques e Jardins, da Póvoa de Lanhoso. A alternativa era uma rampa a rasgar monte acima, e Ilídio Alves de Araújo conseguiu impor a sua visão, que integra de uma forma monumental o edificado, a mata e a via de acesso ao santuário cuja candidatura a património da humanidade está a ser coordenada por Teresa Andresen, professora universitária e paisagista a quem coube a condução da homenagem realizada na quinta-feira no Porto, e que esta sexta-feira se repetiu no Centro Nacional de Cultura, em Lisboa.

Mas apesar deste currículo que o levou, recém-licenciado, a participar no primeiro Plano de Fomento Agrário do Alentejo, e que inclui imenso pensamento escrito e publicado sobre paisagismo e jardins, história da paisagem e do povoamento do território, património, ecologia, ordenamento do território e economia, o que fica deste agrónomo e paisagista é, também, a imagem de um homem derrotado pela impossibilidade de levar à prática a sua filosofia do território. Uma filosofia integradora da actividade humana no território, aprendida nos bancos do Instituto Superior de Agronomia no início da década de 50 e fortemente influenciada por Francisco Caldeira Cabral, considerado o pai do paisagismo em Portugal, e por Eugénio de Castro Caldas, que o pôs em contacto com a visão abrangente da sociologia rural,

O ex-ministro da Economia Luís Braga da Cruz, que o conheceu na década de 60, recorda que, quando Ilídio de Araújo se metia pela Nacional 13, para Norte, lhe dizia que só lhe apetecia fechar os olhos, para não ver o que fora feito àquela paisagem sobre a qual escrevera, e na qual solos agrícolas férteis foram quase destruídos pela poluição, por um lado, e pelo crescimento urbano desordenado, por outro. O cartoon que o arquitecto Ferreira dos Santos dele fez em 1978 resume bem o seu estado de espírito perante a evolução do território português, mas podemos também verificá-lo nas suas próprias palavras, próprias de quem, desiludido, deixou rapidamente uma curta experiência como secretário de Estado do Ambiente, em 1979, e abandonou definitivamente as funções públicas quando Portugal iniciava a sua aventura europeia, em 1985.

Crítico da partidarização dos serviços técnicos do Estado, em 2009 escreveu, num texto publicado a propósito dos 40 anos da criação da Comissão de Coordenação da Região Norte: “Uma convicção, que o meu longo e ziguezaguiante percurso pela Administração Pública me arreigara, fôra a de que a gestão racional e credível do território não pode ser capazmente planeada por gabinetes particulares, sujeitos à pressão do lucro imediato e dos lobbies locais, e sem preocupações com a evolução futura do processo de planeamento”.

Cansado da “bandalheira” em que via o país ser transformado, Ilídio Alves de Araújo foi investindo cada vez mais do seu tempo numa das áreas em que tem menos trabalho publicado, mas à qual dedicou muita atenção desde cedo. A proto-história e a evolução da paisagem. Vêm de longe os seus estudos sobre a evolução dos povos da Europa, e as suas teorias “fora da caixa”, que cruzam bascos com finlandeses, por exemplo, como recorda Braga Cruz, que se espantou com as suas teses logo naquele primeiro almoço em que o conhecera, algures nos anos 60.

Fernando dos Santos Pessoa, também paisagista e seu amigo, e a quem Ílídio de Araújo entregou, no Natal de 2014, três semanas antes de morrer, um CD com 800 páginas de textos escritos, acredita que a sua obra sobre paisagismo, ecologia e ordenamento do território acabará por ser conhecida, dado o interesse já manifestado há anos por José Carlos Marques (fundador da associação Campo Aberto e coordenador dos Cadernos de Ecologia e Sociedade da Afrontamento), na edição destes trabalhos. Quanto aos textos de proto-história, o autor da fotobiografia considera mais difícil a sua publicação, dado o seu carácter controverso e o facto de o autor não poder, já, defender-se da crítica a que as suas teses seriam naturalmente sujeitas.

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