Para que serve a molécula da Bial?

Composto inibe uma proteína importante na destruição dos endocanabinóides, que actuam no apetite, na sensação de dor, no humor e na memória.

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PÚBLICO/Arquivo

Os medicamentos que a empresa farmacêutica Bial tem vindo a desenvolver estão ligados ao sistema nervoso central, actuando contra doenças como a epilepsia e a doença de Parkinson. Nesse sentido, a molécula que estava a ser testada em França, num ensaio clínico de fase I, em que seis pessoas acabaram por ser hospitalizadas, segue a mesma linha de investigação.

O composto BIA 10-2474 é um “inibidor da enzima FAAH”, revela o comunicado da Bial. O FAAH é a sigla em inglês para a enzima hidrólase das amidas de ácidos gordos, uma proteína fundamental para a metabolização dos endocanabinóides. Produzidos naturalmente pelo organismo, os endocanabinóides funcionam no sistema nervoso central: ligam-se aos receptores (moléculas) das células e têm efeitos fisiológicos no apetite, na sensação de dor, no humor e na memória.

“A intensidade do efeito dos endocanabinóides depende da sua concentração e do tempo que permanecem no organismo sem serem destruídas”, explica ao PÚBLICO Jorge Gonçalves, professor catedrático de farmacologia da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto. A enzima FAAH é responsável por destruir estes endocanabinóides, controlando a sua permanência.

Qual é o interesse das empresas farmacêuticas em desenvolver um inibidor desta enzima, que, ao bloquear a sua actividade, faz com que os endocanabinóides se mantenham no corpo? “O que imagino que possa despertar mais interesse é um efeito analgésico, para evitar o uso de opiáceos, e um efeito na memória, que terá implicações em todas as doenças demenciais”, responde Jorge Gonçalves, explicando que há dados científicos recentes que indicam que este tipo de moléculas pode ajudar a ganhar memória.

Este fenómeno é o oposto do conhecido efeito do consumo da cannabis, cujo composto activo actua nos mesmos receptores dos endocanabinóides (aliás, o nome é proveniente do da planta) e provoca a perda de memória. 

Segundo o investigador, há várias moléculas inibidoras da FAAH a serem desenvolvidas em laboratórios. Mas “ainda não estão no mercado”. Assim, “a Bial estaria a procurar a sua oportunidade”.

Apesar de ainda não se conhecer a razão por que os seis voluntários adoeceram, Jorge Gonçalves explica que há “sempre um risco” no desenvolvimento de fármacos. “Nunca temos a certeza absoluta de que uma molécula usada para um alvo não possa ter efeitos noutro”, diz. Quando se introduz um composto no organismo, o grande objectivo do corpo é destruí-lo. Nesse processo, ele é transformado numa nova molécula, que pode interagir com outros alvos. “Não está em causa a competência [da empresa]”, defende o investigador, que espera que a Bial tente perceber o que se passou.

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