Como resolver a crise bancária portuguesa

Há que promover a “desalavancagem” do sistema bancário para evitar crises futuras e diminuir o risco para os contribuintes e depositantes.

Um dos aspetos menos discutido da crise financeira portuguesa foi, desde o seu início, as dificuldades no processo de “desalavancagem” dos bancos. É certo que desde 2011 até hoje o volume de crédito a particulares e empresas desceu de 255% do PIB apenas para 231,8%, sendo que o crédito às empresas se mantém num nível insustentável de 145,8% do PIB.

Por seu turno, o montante total do crédito malparado em Portugal ascende hoje a 20.850 milhões de euros contra 14.978 milhões de eurosem 2011 e 10.917 milhões de euros em 2009. O crédito às empresas que se encontra malparado representa hoje 16,6% do crédito total concedido às empresas contra 10,6% em 2012.

A situação atual resulta da relutância dos bancos portugueses em se desfazerem dos empréstimos problemáticos que continuam a onerar as empresas com dívidas impagáveis, mantendo muitas delas num estado de semi-vida e tornando-as “empresas-zombies”, cuja única função é satisfazer o serviço de dívida.

É esta a raiz dos problemas do sistema bancário português que está na origem das recentes intervenções do Banco de Portugal no BES/Novo Banco e no BANIF e que poderá vir a provocar problemas em outros bancos do sistema.

O Governo anterior e a Troika caucionaram esta política para facilitar a saída limpa e nunca exigiram medidas mais duras. Assim, até final de 2013, tudo parecia ir bem: BCP e BPI devolveram as ajudas estatais e o BES não chegou a ter qualquer financiamento público. O problema parecia confinado aos pequenos bancos do sistema, BANIF e Montepio, até eclodir a crise do BES. A crise do BES teve como causa direta a confusão do banco com a família e vice-versa, mas não deixou de ter também como causa a profunda a exposição do banco ao débil setor empresarial português, em particular, ao setor imobiliário, ou não fora o BES o principal banco das empresas e o banco do regime.

Com a saída “limpa” da Troika, o fim das reforma estruturais para Bruxelas ver e eleições à porta, o anterior Governo limitou-se a adiar o problema do BANIF bem como os problemas maiores da CGD e do Novo Banco e não quis saber se os bancos fizeram tudo o que deveriam ter feito. Afinal tudo ia bem no melhor dos mundos. Mas não, os problemas da banca nacional são graves e estruturais e começam nos dois bancos públicos: a CGD e o Novo Banco.

O que fazer?

A situação atual exige uma ação determinada. Há que promover a “desalavancagem” do sistema bancário para evitar crises futuras e diminuir o risco para os contribuintes e depositantes.

Qualquer programa de apoio público tem de assentar em quatro pilares:

1. Primeiro, as medidas adotadas deverão ser definitivas. A solução deve resolver definitivamente o problema e não servir como mero paliativo. Só libertando o sistema bancário do peso dos maus empréstimos, poder-se-á assegurar que os bancos voltarão a emprestar à economia real e atrair a confiança dos investidores. Qualquer intervenção deverá ainda assegurar que se quebra qualquer relação entre os bancos e os ativos problemáticos de forma a devolver as empresas em dificuldades à economia real, deixando cair as que não tiverem capacidade para sobreviver e permitindo que as boas empresas possam retomar o seu papel na economia, investir e inovar;

2. Segundo, a solução deverá ser proporcionada. As medidas propostas devem ser adequadas à resolução do problema mas não deverão implicar um custo excessivo e punitivo para os atuais acionistas e obrigacionistas dos bancos;

3. Terceiro, a solução deverá ser neutral. A intervenção não pode provocar distorções na concorrência nem no equilíbrio relativo do sistema bancário beneficiando uns e prejudicando outros;

4. Por último, a intervenção não deverá ter custos para o contribuinte.

Após a crise da dívida soberana em 2010, as autoridades bancárias europeias têm vindo a realizar “stress tests” cada vez mais exigentes e a impor o reforço dos capitais próprios dos bancos e a contribuição de acionistas e credores comuns para a recapitalização dos bancos cujo desequilíbrio justifica a intervenção dos reguladores. Contudo, os mecanismos de resolução em vigor na Europa não respondem às situações menos críticas anteriores à pré-insolvência em que o desequilíbrio resulta de dificuldades em proceder à alienação de ativos problemáticos, mas que se podem tornar mais graves se puserem em causa a confiança dos depositantes e a liquidez das instituições bancárias.

Para essas situações seria mais adequado criar programas de alienação de ativos problemáticos. Propomos por isso que seja criado um programa de compra dos ativos problemáticos.

Para operacionalizar esse programa, em primeiro lugar, seria exigido aos bancos que alienassem uma determinada percentagem dos ativos registados como problemáticos no seu balanço. Os bancos poderiam vender esses ativos no mercado pelo valor que acordassem.

Não havendo comprador ou o sendo o valor de mercado desses ativos demasiado penalizador os bancos poderiam vender esses ativos a um fundo a constituir pelo Estado com a participação dos bancos e de investidores privados. Nessas situações a venda teria de ser feita por um valor 10 a 20% abaixo do valor a que esses ativos estiverem registados no balanço do banco vendedor ou do valor que lhes for dado em auditoria independente.

O fundo de apoio a constituir seria financiado em parte pelos acionistas dos bancos e o remanescente por outros investidores privados e pelo Estado. Caso os acionistas dos bancos se recusassem a financiar a sua quota-parte do fundo, o banco vendedor teria de dar um desconto aos ativos alienados correspondente ao montante que caberia aos seus acionistas investir no fundo e perderiam o direito a receber quaisquer lucros que viessem a ser gerados por esses ativos.

O fundo de apoio deveria ser gerido por entidades independentes dos bancos, não podendo os bancos vendedores ter qualquer poder de interferir na gestão do fundo.

Quaisquer eventuais perdas relativas aos ativos transferidos deveriam ser, em primeiro lugar, absorvidas pelos montantes investidos pelos acionistas dos bancos no fundo e em segundo lugar pelos acionistas privados que investissem no fundo.

Esta solução permitiria resolver definitivamente o problema da banca nacional, não acarretaria custos para o Estado, imporia um esforço razoável sobre os atuais acionistas dos bancos (com potencial retorno futuro) e asseguraria que o sistema bancário e as empresas pudessem olhar para o futuro com confiança.

Haja coragem!

Advogado

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