Imigrantes, e depois

O grosso de Mediterranea faz-se com um realismo descritivo geralmente convincente.

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Mediterrânea: realismo descritivo geralmente convincente

Entramos em Mediterranea por um conjunto de cenas no deserto argelino, acompanhando um grupo de homens e mulheres (entre eles os protagonistas, oriundos do Burkina Faso) em trânsito para uma passagem clandestina do Mediterrâneo, e a serem vítimas dos abusos dos “passadores” e doutros meliantes que lhes saltam ao caminho. Assunto bem na agenda contemporânea, este das “migrações” para a Europa, que deixa a suspeita de o filme de Jonas Carpignano se tratar apenas de um exercício de oportunismo sociológico ou mediático, na linha do Terra Firme realizado há uns anos pelo seu compatriota Emanuele Crialese. É um pouco mais do que isso, e um pouco mais sólido do que isso: afinal, a travessia é resolvida em poucos minutos (até com uma razoavelmente económica cena de tempestade a sinalizar as agruras do empreendimento) e cedo estamos no norte de Itália, a acompanhar a aclimatação dos recém-chegados à nova vida, junto dos patrões italianos e dos outros emigrados vindos do Burkina que já lá estavam.

E isso, que é o grosso do filme, faz-se com um realismo descritivo geralmente convincente, embora às vezes um pouco “fácil” (os grandes planos, que nunca têm aquela força que encontramos na “câmara-lapa” dos Dardenne, por exemplo), e seguindo uma linha narrativa que não deixa de tocar, um pouco esquematicamente, um catálogo temático (da exploração económica daquela mão de obra baratíssima ao racismo). A cena que antecede o final – a revolta dos imigrantes numa noite de distúrbios, numa violência física aparentemente desproporcionada – não deixa de evocar o climax do Do the Right Thing de Spike Lee, mas se este filme funcionava como uma panela de pressão onde a violência final fazia todo o sentido, em Mediterrânea o sentido é meramente teórico, a revolta não aparece em resultado de uma construção, apenas de uma demonstração.

O melhor do filme acaba por ser a descrição de uma economia paralela e pobre. Tão pobre que, ao contrário de A Queda de Wall Street (o acaso da distribuição permite um raccord curioso entre os filmes), aqui ainda há objectos, laranjas, carregadores de telemóvel, cigarros, e notas de vinte euros que trocam realmente de mãos. São as cenas que ressoam como mais autênticas, ou são pelo menos as mais interessantes. A par de duas ou três longas cenas de refeição em grupo, algo que de um modo geral os italianos já nascem a saber filmar, tradição de que Carpignano não destoa.

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