Edgar Silva e PCP unidos: da Soeiro Pereira Gomes para as ruas

O orçamento do candidato apoiado pelos comunistas é de 750 mil euros, quase metade vem do partido.

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Na campanha do comunista, o contacto com trabalhadores continuará a ser uma aposta Guilherme Marques

Na rua Soeiro Pereira Gomes, na sede do PCP, em Lisboa, nos sofás e cadeiras vermelhas, com a parede de madeira ao fundo, fuma-se e comenta-se os debates entre os candidatos presidenciais. Critica-se o rosto da direita, Marcelo Rebelo de Sousa. A televisão está ligada, no bar bebe-se o primeiro café do dia. Ao lado há uma banca com livros, não faltam os dedicados a Álvaro Cunhal. Estão lá também folhetos do candidato a Belém apoiado pelo PCP, o comunista Edgar Silva. Não há que enganar: logo à entrada está um cartaz do antigo padre católico. Não tem sede de candidatura. Ou melhor, não tem sede própria, é no número 3 da Soeiro Pereira Gomes.

Edgar Silva passa apressado. Não fala com o PÚBLICO nesse dia, a assessora da candidatura remete-nos para o “camarada” Rui Fernandes que, não sendo director de campanha – não têm -, é da comissão de candidatura.

É ele quem assume: não há nada a esconder, Edgar Silva e o partido estão juntos na corrida. O antigo padre é membro do Comité Central, dirigente do PCP na Madeira: “Não há equívocos, ao contrário de outros.” Refere-se a Marcelo Rebelo de Sousa (a quem PSD e CDS deram indicação de voto) e a Maria de Belém, ex-presidente do PS (partido que decidiu não apoiar ninguém).

Não alinha no discurso da independência em relação aos partidos: “Maria de Belém não é nada independente do PS. E isso não tem problema nenhum. Não vale a pena jogos de ilusionismo. Como se isso desse um cartão de maior credibilidade... “Edgar Silva até tem dito que o apoio do PCP é um certificado de garantia.”

Lá fora, a manhã está cinzenta, mas na pequena sala, onde decorre a conversa, a luz está acesa e a persiana corrida está avariada. Rui Fernandes vai dizendo que as ideias fortes da campanha são as que defendem “o projecto constitucional” que “tem estado arredado” da Presidência da República”.

Mais tarde, ao PÚBLICO, Edgar Silva corrobora: a mensagem principal é o cumprimento da Constituição – os direitos no trabalho, na saúde, na educação, “um Portugal que afirme a sua independência e soberania”. O Presidente “não governa”, diz, mas “tal não pode conduzir a uma concepção inerte” do seu papel.

Outra das metas é dar um “contributo fundamental para a derrota do candidato de direita”, ir à segunda volta, acrescenta Rui Fernandes. É tempo de “viragem”, de “virar a página” – expressões que estão na Declaração de Candidatura. Entre outras com igual peso ideológico, também “Abril” é uma das palavras do documento. Em alguns folhetos, o mesmo vocabulário: “afirmar Abril”, “cumprir a Constituição”.

Edgar Silva reconhece: “As palavras fortes são Abril, respeito pela Constituição, confiança na energia criadora dos trabalhadores e do povo, soberania, um Portugal com futuro.” Os títulos dos capítulos da Declaração espelham isso: “Quem acolhe o grito dos pobres?”, “Quem atende ao clamor dos trabalhadores?”, “Quem, nesta República, ouve o clamor da terra?”.

Na campanha, quer privilegiar “o contacto com o país real”, com o mundo rural, com os pequenos e médios empresários. “Todos os dias por todo o país, há muitas centenas de apoiantes da minha candidatura que estão lá nas empresas, nos concelhos, nas freguesias a fazer campanha.”

Não tem comissão de honra, mas tem apoios: o médico Artur Ramon; o jornalista Alfredo Maia; o professor do ensino superior e escritor José António Gomes; o historiador Manuel Loff… O mandatário nacional é o antigo presidente da Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira e antigo membro do Comité Central do PCP, José Ernesto Cartaxo.

“Todo o partido estará na rua, em acções”, garante Rui Fernandes. Participará o secretário-geral Jerónimo de Sousa e Heloísa Apolónia, do partido Ecologista Os Verdes (PEV).

Na pré-campanha, Edgar Silva já “correu o país”, até foi à Suíça e França contactar com “as comunidades portuguesas no estrangeiro”. Fez sessões de esclarecimento, com questões do público.

Nestas duas semanas, a campanha arranca no distrito do Porto e acaba no de Braga. Passa pela Madeira, pelos distritos de Lisboa, Viseu, Aveiro, Faro, Évora, Beja, Setúbal, Santarém. O contacto com trabalhadores de várias empresas continuará a ser uma aposta e, “naturalmente”, os comícios.

Na estrada, deverão andar dois a três carros: as carrinhas necessárias para transportar material de som e um carro no qual se deslocará Edgar Silva, com um membro do gabinete de imprensa e um “camarada” da comissão de candidatura, “para trocar impressões ao longo do dia” sobre notícias, discutir aspectos da campanha.

Foram feitos cartazes, folhetos, pendões. Para propaganda, comunicação impressa e digital, há 250 mil euros. Estruturas, cartazes e telas, 150 mil euros. Comícios, espectáculos e caravanas, 175 mil euros. Brindes e outras ofertas, 10 mil euros.

O orçamento de 750 mil euros conta com 342 mil do PCP e PEV – é a única candidatura com contribuições partidárias em dinheiro, segundo os orçamentos entregues ao Tribunal Constitucional. 

“Os meios e pessoas são parcos e mais parcos ainda se comparados com os meios de quem teve anos de projecção mediática”, diz Edgar Silva.

 

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