Os filmes da poesia de Manuel António Pina

A Sombra do Caçador, de Charles Laughton, vai ser apresentado no ciclo em torno da poesia de Manuel António Pina.

Foto
A Sombra do Caçador, de Charles Laughton, foi o filme da vida de Manuel António Pina num sentido mais essencial do que o da mera predilecção estética

“As emoções mais fortes e mais complexas que experimentei foram colhidas em livros e em filmes”, diz o poeta Manuel António Pina, numa entrevista que deu ao PÚBLICO em 2011, o seu penúltimo ano de vida. E numa das suas crónicas, assume o muito que devia a um filme em particular: “Eu seria outro (alguém muito mais desoladamente pobre; e não o saberia) sem A Sombra do Caçador, de Charles Laughton”. E explica porquê: “No meu coração pulsam desde sempre, como versos soltos, imagens inquietas de A Sombra do Caçador que se tornaram parte constituinte da minha experiência de mim e dos outros e da minha experiência vivida do mundo: o ameaçador perfil de Robert Mitchum a cavalo, recortado contra o céu; o rio turbando-se de súbito ante a presença próxima do Mal; Lilian Gish protegendo as crianças com a grande espingarda e a sua pequenina voz cantando na noite contra o medo…”.

Depois de ter organizado em 2015, no Medeia Monumental, em Lisboa, duas sessões respectivamente dedicadas à presença do cinema nas obras de Herberto Helder e Ruy Belo, a Medeia Filmes prossegue esta espécie de ciclo sem periodicidade regular com um programa em torno da poesia de Manuel António Pina. Intitulada “Como um filme/ em que tudo acontecesse na escuridão do espectador” – versos de um dos seus últimos poemas: À noite com Job, sob o céu de Calar Alto –, a sessão está marcada para esta segunda-feira à noite e abre, pelas 21h15, com uma intervenção de Inês Fonseca Santos, autora de Regressar a Casa com Manuel António Pina (Abysmo, 2015), livro que reúne uma entrevista ao autor, um ensaio sobre a sua poesia e uma curta-metragem, As Casas Não Morrem, co-realizada com Pedro Macedo e filmada no andar portuense onde Pina viveu durante muito tempo, e que no final da vida usava ainda como biblioteca e escritório. Após uma leitura de poemas por Filipa Leal e Luís Caetano, a primeira parte da sessão encerra com a apresentação dessa curta, seguindo-se, após o intervalo, a exibição, numa cópia de 35mm, de A Sombra do Caçador, de Charles Laughton, que foi o filme da vida de Manuel António Pina num sentido bastante mais essencial do que o da mera predilecção estética.

Cinéfilo e dotado de uma memória prodigiosa, que lhe permitia citar de cor, a meio de uma conversa de café, extensos diálogos de filmes americanos dos anos 50, ou do neo-realismo italiano, ou da nouvelle vague francesa, Pina espalhou muitas alusões cinéfilas pela sua poesia, e ainda mais nas suas crónicas, mas são curiosamente raros os seus poemas que aludem expressamente a filmes, como acontece com o notável A Ilha Nua, escrito a partir do filme homónimo do japonês Kaneto Shindo.

Sugerir correcção
Comentar