Tribunal entrega filhas a homem suspeito de violência doméstica

Arguido nega ter causado traumatismos cranianos a ex-companheira. Associação fala em descoordenação entre diferentes sectores dos tribunais. Segurança Social resguarda-se na confidencialidade.

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A pulseira electrónica equivale a um quarto dos custos com um recluso numa prisão Público/arquivo

O Tribunal de Cascais começou a julgar esta quarta-feira um homem por crimes de violência doméstica contra a ex-companheira. O caso seria apenas mais um, não se desse o caso de o tribunal – que o colocou com pulseira electrónica, para que não se aproxime da alegada vítima – lhe ter entregue há um mês a guarda provisória das duas filhas do casal.

Para retirar à mãe a guarda destas crianças, de dois e quatro anos de idade, e ainda de uma terceira, filha de um outro pai, o tribunal baseou-se num parecer das técnicas da Segurança Social, segundo as quais a progenitora havia ameaçado desaparecer com as filhas, tendo deixado uma delas sozinha num café defronte da escola frequentada pela irmã, em Setembro passado. Invocaram a disposição da Lei de Protecção de Crianças e Jovens, segundo a qual as autoridades podem subtrair os menores aos pais quando existir “perigo iminente para a sua vida ou grave comprometimento da sua integridade física ou psíquica”.

A versão que conta a mãe, auxiliar de acção educativa, é, porém, outra: diz que pediu a uma amiga que se encontrava no café para ficar com a miúda um bocadinho, uma vez que se apercebeu, pelo toque do aparelho de vigilância electrónica que também usa, que o antigo companheiro estava nas proximidades. O companheiro, vendedor de iogurtes, tinha ido buscar à escola as duas filhas.

O processo de regulação definitiva do poder paternal  ainda não teve um desfecho, mas entretanto a mãe já apresentou queixa a diversas entidades – Provedor de Justiça incluído – para fazer reverter a decisão de atribuir ao pai a guarda provisória das meninas, invocando o seu carácter violento.

A acusação do Ministério Público descreve as agressões a soco e a pontapé que a auxiliar de acção educativa terá sofrido ao longo do ano de 2014, e as suas idas ao hospital. No Verão desse ano sofreu um traumatismo craniano e outro torácico no mesmo dia. Mas disse aos médicos que tudo não tinha passado de uma queda numas escadas. Foi só nesse Outono, após mais uma cena de violência dentro de um carro em andamento, com as três crianças a assistir, que resolveu pôr um ponto final na relação.

Nesta quarta-feira, em tribunal, o arguido negou que tenha, como descreve a acusação, agarrado na cabeça da mulher enquanto conduzia na marginal, para a “atirar de encontro ao tablier, desferindo-lhe vários socos, apertando-lhe o pescoço e puxando-lhe os cabelos”. Diz que só tentou evitar que a mulher lhe mordesse uma mão, e que quando a repeliu ela se magoou. E também apresentou uma queixa-crime contra ela por violência doméstica. Ainda de acordo com a acusação, as agressões começaram na zona de Oeiras e só terminaram quando já estavam a passar junto à praia de Carcavelos. Do episódio resultou novo traumatismo craniano e várias equimoses ainda visíveis dez dias depois.

Elisabete Brasil, do Observatório de Mulheres Assassinadas da associação União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), explica que a falta de coordenação entre os tribunais criminais, onde são julgados os casos de violência doméstica, e os tribunais de família e menores, que regulam as responsabilidades parentais, faz com que a guarda de menores possa ser entregue a pais suspeitos deste tipo de crime. “Não é admissível. A violência exercida contra a mãe estende-se às crianças”, observa a mesma especialista, invocando convenções internacionais que alertam para esse risco.

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Segurança Social remete quaisquer esclarecimentos para uma nota informativa da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco, segundo a qual “o processo em causa está neste momento em apreciação, sendo competência exclusiva do tribunal”.

“Não é possível fornecer dados concretos sobre o processo”, acrescenta a comissão, invocando questões de confidencialidade e de privacidade dos envolvidos e garantindo que toda a sua actuação é pautada “pelo princípio do superior interesse das crianças”.

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