Quase ninguém chumba por haver exames no ensino básico

No últimos dez anos menos de 2% dos alunos tiveram negativa a Matemática no 9.º ano por culpa do exame nacional.

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Protesto dos docentes começa no dia 7, coincidindo com os exames RUI GAUDÊNCIO

Qual o impacto dos exames do ensino básico nas notas finais dos alunos? Pequeno. Pouca gente leva para casa uma nota negativa no final do ano por causa das provas nacionais. Este é um ponto central no relatório técnico que acompanha a proposta de parecer que o Conselho Nacional de Educação (CNE) debate nesta quinta-feira, em Lisboa, sobre os projectos de lei que acabam com os exames do 1.º ciclo (do PCP e do BE). Mas o documento do CNE vai mais longe: avalia as consequências dos testes nacionais também no 2.º e 3.º ciclos. Exemplo: nos últimos dez anos de exames no 9.º ano (com estes a valerem 30% da nota final), apenas 1,9% dos alunos avaliados tiveram negativa a Matemática por culpa da prova nacional. Em Português o impacto foi ainda menor: 0,4%.

Em 2005, quando o exame do 9.º se estreou valendo, a título excepcional, só 25% da classificação final, ninguém teve negativa por causa do exame, nem a Português nem a Matemática. Quem acabou estas duas “cadeiras” com 2 valores ou menos (numa escala que vai até 5) já se tinha apresentado à prova nacional com uma classificação interna negativa (“classificação interna” é a designação dada às notas dadas pelos professores pelo trabalho desenvolvido ao longo do ano, ao passo que as notas dos exames são a “classificação externa”).

Conclui o CNE: “dos 892.276 alunos que realizaram o exame de Matemática entre 2006 e 2015, no 9.º ano, 843.538 (94,5%) obtiveram classificação final igual à classificação interna, não tendo havido qualquer efeito do resultado obtido no exame”.

Nos 4.º e 6.º anos o impacto é igualmente reduzido. Desde 2014, com os exames do 4.º ano a valerem também 30% da nota final, só 697 alunos (0,4% dos mais 195 mil que prestaram provas a Português), acabaram por ter uma classificação final negativa nessa disciplina por causa do exame. Na Matemática, a prova nacional foi responsável por 1,4% dos alunos do 4.º ano avaliados acabarem o ano com negativa.

No 6.º ano, as percentagens foram de 0,2% para Português e de 1,6% para Matemática.

Ao PÚBLICO, o presidente do CNE, David Justino, não quis adiantar qual o sentido da proposta de parecer que será debatido pelos conselheiros (o CNE é um órgão independente, com funções consultivas, sendo o presidente eleito pela Assembleia da República). Diz apenas que os dados mostram um impacto residual das provas nacionais.

O mote do parecer foram os projectos de lei do BE e do PCP, que põem fim aos exames nacionais do 1.º ciclo do ensino básico e que já foram votados na generalidade. Encontram-se agora para apreciação na Comissão Parlamentar de Educação e Ciência. O PCP também apresentou um projecto para acabar com os exames do 6.º ano, lembra Justino que foi ministro da Educação do PSD. E o actual ministro da Educação anunciou nesta segunda-feira que o Governo se prepara para apresentar, “ao longo desta semana”, um novo modelo de avaliação dos alunos e do sistema – um modelo cuja proposta ainda não chegou ao CNE. Certo é que o assunto não podia estar mais na ordem do dia.

O relatório técnico fornece ainda um conjunto de informações sobre o histórico dos pareceres e recomendações do CNE – lembra-se, por exemplo, a Recomendação n.º 2/2015, onde os conselheiros destacavam “a excessiva preocupação pela avaliação sumativa e pelos resultados da avaliação externa no actual quadro do sistema educativo sem existir a correspondente preocupação quanto à dimensão formativa da avaliação” e recomendava ao Executivo que reavaliasse “a adequação das provas finais de 4.º e 6.º anos aos objectivos de aprendizagem dos ciclos que encerram”.

Só três países têm exames
O relatório do CNE passa ainda em revista o que se passa noutros países. E explica que dos 39 que forneceram informação à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre a avaliação externa, só em três existiam, no ano lectivo passado, exames nacionais no 1.º e 2.º ciclo. Portugal era um deles. Estava acompanhado pela Bélgica francófona e pelos Estados Unidos.

Estes dados do Education at Glance 2015, o relatório anual onde a OCDE avalia o estado da educação, são recordados pelo CNE. A distinção de partida é esta: há exames nacionais que contam para a nota final dos alunos, e que têm peso na sua progressão; e há provas de aferição, utilizadas geralmente como meio de diagnóstico do que os alunos sabem ou não, mas que não contam para a nota final. Ambos são testes padronizados e aplicados a nível nacional. No ano lectivo passado, os exames nacionais eram prática corrente no ensino secundário na maioria dos países da OCDE (31), mas a sua expressão reduzia-se drasticamente nos ciclos de escolaridade anteriores: três países, como já referidos, tinham exames no 1.º e 2.º ciclo; e 14 no 3.º ciclo, uma lista onde Portugal também marca presença. Nestes níveis, na maioria dos países da OCDE, a prática mais comum é a realização de provas de aferição (32 países fazem-nas no 1.º e 2.º ciclo e 28 no 3.º ciclo).

Na segunda-feira, o ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues anunciou que pretende que haja “uma solução integrada de avaliação e aferição que chegará à comunidade educativa como um todo e que não vai interferir com o bom funcionamento das escolas”. As provas de aferição poderão voltar ao 4.º e ao 6.º ano, como já aconteceu no passado.

ME diz que está a ouvir
Nesta quarta-feira, contactado pelo PÚBLICO, o gabinete de comunicação do Ministério da Educação fez saber apenas que “tem vindo a desenhar o modelo integrado de avaliação e aferição para o ensino básico” e que já foram "auscultados encarregados de educação, professores, directores de escolas e agrupamentos, associações de professores, especialistas em Ciências da Educação e as instituições que serão responsáveis pela implementação do modelo".

Acrescenta: “Grande parte destes actores integra o CNE e, na ronda de auscultações, também ao presidente do CNE foram apresentadas várias modalidades e resoluções possíveis, para ouvir a sua opinião.” Em que data haverá uma proposta não é dito.

Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, não conhece nenhuma proposta concreta, mas espera “que não se caia no extremo de não haver avaliação até ao 9.º ano”, diz que é preciso avaliar antes com sentido preventivo, para garantir que se detectam as principais dificuldades dos alunos desde cedo e que elas são corrigidas, mas acha que as provas ou os exames não devem servir para chumbar alunos. “É preciso que haja uma avaliação externa e independente: se se chama exames ou provas de aferição isso é o que menos importa.”

João Dias da Silva, secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), diz que o essencial é combater os chumbos nas idades precoces. Defende uma avaliação aferida “mas recorda que nos moldes em que ela foi feita antes e haver exames”, não contando para a nota final, “houve muitas queixas de que não era levada suficientemente a sério pelos alunos”.

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