Obama assume, em lágrimas, a responsabilidade pelo controlo das armas nos EUA

Presidente dos EUA não aceita ficar refém dos lobbies que controlam o Congresso e avança com medidas administrativas para expandir o sistema de escrutínio e controlo da venda de armas.

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Obama emocionou-se ao recordar todas as crianças mortas em ataques com armas JIM WATSON/AFP

O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, reconheceu que a sua acção executiva para restringir a venda de armas não substitui o processo legislativo no Congresso e que as suas iniciativas unilaterais, no sentido de apertar o actual sistema de escrutínio, vigilância e controlo do comércio de armamento pessoal, “permitirá salvar apenas algumas vidas”. Mas perante anos consecutivos de oposição e inacção do Congresso, Obama não estava disposto a deixar a Casa Branca arrependido de não ter feito tudo o que podia para “poupar mais famílias à dor e perda extraordinárias" de perder alguém num tiroteio.

“Todos os anos, 30 mil americanos perdem a vida com o disparo de uma arma: suicídios, violência doméstica, tiroteios, acidentes. Não temos de aceitar esta carnificina como o preço a pagar pela liberdade”, sublinhou Obama, numa cerimónia na Casa Branca em que participaram muitos familiares de vítimas de massacres e alguns sobreviventes de tiroteios, como a antiga congressista democrata Gabrielle Giffords. “São demasiados desgostos, demasiados sacrifícios, é demasiada dor”, lamentou o Presidente. “Nunca conseguiremos travar todos os actos de maldade e violência. Mas se conseguirmos travar um…”, disse Obama, que deixou bem clara a sua tristeza e frustração com a inoperância do Congresso e o boicote dos seus adversários políticos às medidas que defende para limitar a violência armada.

Previsivelmente, antes mesmo de ouvirem o Presidente, os líderes republicanos no Congresso, e os candidatos conservadores à nomeação para as eleições presidenciais de Novembro, reagiram às medidas anunciadas pela Casa Branca com críticas inflamadas e promessas de um vigoroso contra-ataque: com recursos em tribunal para inviabilizar as decisões presidenciais; com cortes orçamentais e outras iniciativas legislativas destinadas a tornar as medidas previstas impraticáveis; e com a reversão imediata destas ordens em caso de eleição.

O speaker do Congresso, Paul Ryan, classificou a iniciativa presidencial como uma “interferência perigosa e inaceitável” do ramo executivo nas acções do legislativo. “Nenhum Presidente devia poder reverter os seus falhanços por acção executiva. As suas propostas para restringir o direito às armas foram debatidas e rejeitadas pelo Senado dos Estados Unidos”, recordou.

Mas a principal arma dos republicanos neste combate político é a retórica. Aproveitando a oportunidade para gritar mais alto, os candidatos classificaram as medidas de Obama como “um assalto” às liberdades individuais e à Constituição e disseram que o Presidente quer “subverter” o funcionamento das instituições e “proibir” as armas na América.

Apesar da barragem de soundbytes dos políticos e da histórica simpatia e tolerância pelo direito de uso e porte de armas da sociedade norte-americana, a acção presidencial anunciada esta terça-feira pela Casa Branca não vai tanto contra a corrente (da opinião pública) quanto se pode pensar: sondagens e outros estudos comprovam que uma esmagadora maioria de americanos – que se descrevem como republicanos, democratas e independentes – concordam com a necessidade de, por exemplo, expandir os métodos de verificação da “probidade” de cada indivíduo que pretenda comprar uma arma, para impedir que estas vão parar às mãos de criminosos, terroristas ou doentes mentais.

Ao referir-se à violência gerada pela livre circulação de armas, Obama – que tantas vezes, no rescaldo de massacres em escolas, cinemas ou igrejas, esqueceu a prudência e o cálculo político para falar com emoção sobre o flagelo da violência armada nos Estados Unidos – teve o cuidado de eximir de responsabilidades os detentores de armas e os vendedores de armas “responsáveis” e de não diabolizar aqueles que “legitimamente” coleccionam revólveres, ensinam os filhos a caçar ou mantém uma arma para protecção pessoal.

O discurso e o tom usado pelo Presidente, calibrado para a moderação, tornam Obama a voz da razão do “senso comum”, num debate crescentemente polarizador e que nos últimos anos assumiu as proporções de uma guerra cultural. “Como é que chegamos a este ponto?”, perguntou-se.

Mais importante do que a estratégia comunicacional, porém, é o âmbito da acção presidencial: em sucessivas fugas de informação, a Administração foi fazendo saber que Obama pretendia ir mais longe, mas depois de consultas com a Procuradora-geral, Loretta Lynch, e com os responsáveis do FBI e da agência que regula as armas, o álcool e o tabaco, concordou em reduzir a mira, para não correr o risco de ver a sua autoridade executiva e os seus decretos administrativos postos em causa em recursos judiciais.

Segundo garantiu a Casa Branca, os documentos que o Presidente vai assinar são “inatacáveis” do ponto de vista jurídico e totalmente “consistentes” com a segunda emenda da Constituição. Além disso, muitas das medidas previstas dizem respeito a regulamentos já existentes – são “clarificações” ou “revisões” de normas actualmente em vigor e que nunca foram disputadas em tribunal.

Há três anos, quando a América lamentava a morte de 20 crianças e seis professores da escola de Sandy Hook, em Newtown, no Connecticut, Barack Obama não conseguiu convencer o Congresso a legislar para dificultar o acesso às armas – e essa é uma afronta (e uma mágoa) que o Presidente não esquece. “Algo mudou em mim nesse dia. Esperava sinceramente que o país também mudasse”, desabafou, com as lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto. “O lobby das armas pode ter conseguido tomar o Congresso como refém, mas não conseguiu fazer o mesmo com o povo americano”, garantiu.

Antecipando os próximos dias de luta, o Presidente vai embarcar numa campanha de relações públicas para convencer os americanos da bondade das suas medidas. Não é tarefa fácil, uma vez que Obama tem que explicar os méritos das suas decisões aos detentores e compradores de armas, que vêem nos controlos e restrições uma infracção dos seus direitos; e aos activistas que exigem mais ambição e limites ao comércio e uso de armas.

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