Morreu Paul Bley, poeta do jazz, aberto ao amor

Paul Bley, pianista e compositor, actualmente reconhecido como músico visionário e uma das mais influentes figuras do jazz, morreu no passado dia 3, tal como anunciado esta terça- feira em comunicado pela sua filha, Vanessa Bley. Tinha 83 anos.

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Open, to Love, título de um dos mais emblemáticos álbuns de Paul Bley, verdadeira obra-prima para piano solo, bem poderia funcionar como epíteto para uma carreira que atravessou todas as principais correntes do jazz moderno, do free ao pós bop.

Aclamado como um dos grandes inovadores do jazz, pela sua visão profundamente pessoal, pelo virtuosismo e intuição, Bley construiu uma carreira de mais de seis décadas na qual só uma coisa era certa - tudo aquilo que tocava era visto sob o prisma do amor, tema central na sua obra. Morreu no passado domingo, dia 3, rodeado pela família, tal como anunciado em comunicado, esta terça-feira, pela sua filha Vanessa Bley.

 

Músico sobredotado, começou bem cedo a tocar e gravar, tendo uma longa e bem sucedida carreira que o levou a partilhar o palco e o estúdio com muitos dos grandes nomes da história do jazz como Charlie Parker, Sonny Rollins, Ben Webster, Charles Mingus, Lester Young, Chet Baker, Don Cherry, Charlie Haden, Archie Shepp, Pat Metheny, Lee Konitz, Bill Evans, Cecil Taylor ou Ornette Coleman, entre muitos outros.

A sua música, impressionista e poética, adaptou-se tão bem à revolução do free jazz dos anos 60, da qual foi parte integrante, como ao pós-bop da década seguinte ou ao som mercurial e contemplativo característico da editora ECM, com a qual mantém uma prolífica relação desde 1972.

Numa discografia em nome próprio com cerca de 100 títulos encontram-se inúmeras obras de referência, nomeadamente os álbuns Barrage, Closer e Ramblin' (de 1964, 1965 e 1966, respectivamente), as já referidas gravações de piano solo Open, to Love (1972), o álbum Axis (1977), uma vez mais a solo, ou os mais recentes Life of a Trio: Sunday (1989), em trio com Jimmy Giuffre e Steve Swallow, Annette (1995), em trio com Franz Koglmann e Gary Peacock, Sankt Gerold (2001), em trio com Evan Parker e Barre Phillips, e Solo in Mondsee, de 2007.

Dos seus concertos tudo se podia esperar, da interpretação de conhecidos – mas nem sempre reconhecíveis – standards de jazz, à exploração dos próprios temas intercalados com imaginativos trechos improvisados. Pertencia a uma classe rara de músicos para os quais a música é um lento processo de evolução e mudança, de metamorfose, criando estes a sua própria lógica musical, para depois a subverterem vezes sem conta, desafiando qualquer tipo de análise teórica.

O seu estilo único, derivado de uma fase inicial onde mergulhou no universo bop, fortemente influenciado por Bud Powell, era marcado por uma liberdade extrema onde se equilibravam e complementavam o lirismo mais luminoso ou a mais negra das abstracções, frequentemente intercalados em estruturas labirínticas cujas formas Bley dominava por completo.

Na sua cabeça, as heranças de Powell, Bill Evans, Debussy, Bartok, Lennie Tristano ou Cecil Taylor, confluiam num expectro há muito tornado pessoal. Em conversa com Doug Fischer, referindo-se ao famoso solo de piano de Bley no tema All the Things You Are, do disco Sonny Meets Hawk (1963), de Sonny Rollins e Coleman Hawkins, Pat Metheny comentava: "Quando ouvi aquele solo, todo um novo universo de possibilidades harmónicas se abriu para mim. Ainda hoje, décadas mais tarde, penso nesse solo como um dos maiores na história do jazz. Mesmo um não músico pode sentir que algo extraordinário está a acontecer. Num determinado nível é extremamente complexo, mas por outro lado é também completamente acessível, muito aberto. Bley deixa simplesmente cada ideia musical seguir o seu caminho, chegar à sua conclusão natural - no final, algo muito pessoal torna-se totalmente universal".

Nascido em Montreal, no Canadá, a 10 de Novembro de 1932, Bley começou os estudos no violino, sendo considerado aos cinco anos de idade um verdadeiro menino prodígio no instrumento. Aos oito inicia os estudos de piano e em pouco tempo já tinha o seu próprio grupo, sendo convidado, com pouco mais de 17 anos, a substituir Oscar Peterson na sua mítica residência regular no Alberta Lounge, em Montreal.

Mudou-se no ano seguinte para Nova Iorque, para prosseguir os estudos na reputada Juilliard School, tocando nos clubes com figuras míticas como o trompetista Roy Eldridge. É dessa altura o seu encontro com os gigantes Webster, Rollins e Parker, fazendo também parte da lenda as temporadas passadas no estúdio de Lennie Tristano, cujas ideias e conceitos musicais viriam a deixar uma marca definitiva na sua música.

Mudou-se posteriormente para a California, onde conquistou o status de figura mítica com actuações regulares no Hillcrest Club, em Los Angeles, clube onde gravou em quinteto com o saxofonista Ornette Coleman, o trompetista Don Cherry, o contrabaixista Charlie Haden, e o baterista Billy Higgins.

Da sua vida pessoal, intensa e muito falada, constam casamentos com duas figuras históricas da música, Carla Bley, com a qual passou a partilhar o apelido, e Annette Peacock, e mais recentemente Carol Goss, que o acompanhou nos últimos momentos de vida. Deixa três filhas e duas netas.

Paul Bley tornou-se nos últimos anos um dos principais símbolos de um jazz livre, habilmente equilibrado entre tradição e vanguarda. Um jazz onde cada música é encarada como um poema aberto, ao impulso do momento e, sobretudo, às emoções que se querem bem à flor da pele. Ao amor.

 

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