Reguladora censura seis hospitais em casos de mortes nas urgências

Entidade Reguladora da Saúde diz que hospitais têm de avisar doentes quando há picos de procura para que estes possam ir a outros serviços de urgência.

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Hospitais devem criar instrumentos para informar as administrações regionais de saúde respectivas e os restantes hospitais com serviços de urgência de toda e qualquer situação de excesso de procura Virgílio Rodrigues

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) considera que a actuação de seis hospitais, no último Inverno, não foi a mais correcta em casos que culminaram na morte de doentes que esperaram várias horas para serem atendidos por médicos nos serviços de urgência. Para a ERS, a desculpa de que as urgências tiveram que responder a picos de afluência inusitados não serve de justificação. Apesar de estes serviços estarem sujeitos a alguma imprevisibilidade, “mal se compreende que não tenham sido tomadas medidas imediatas para fazer face à afluência”, defende a ERS nas conclusões de vários processos que esta segunda-feira são divulgados no seu site.

Até porque, lembra a entidade reguladora, os hospitais já tinham sido informados, através do plano de contingência para o Inverno elaborado pela Direcção-Geral da Saúde, da possibilidade de se verificar um aumento da afluência de doentes durante o período de gripe e das medidas necessárias se acontecesse um pico de procura, nomeadamente o reforço das equipas e o aumento de espaços de atendimento.

A ERS emitiu, por isso, instruções e instaurou processos de monitorização à actuação de seis hospitais que foram notícia por causa da morte de doentes que aguardaram horas a fio nas urgências. À excepção do hospital de Amadora-Sintra, em que é avaliado um caso ocorrido no final de 2013 e da confusão aí vivida nos dias que se seguiram ao Natal do ano seguinte, as outras situações aconteceram entre o final de 2014 e o princípio de 2015, quando o caos nalguns serviços de urgência foi tema de abertura de sucessivos telejornais.

Para a reguladora da saúde, há regras que têm que ser cumpridas de imediato. As unidades hospitalares devem afixar imperativamente nos locais de recepção e atendimento de doentes e acompanhantes, no serviço de urgência, informação sobre os tempos de espera, de maneira a permitir que as pessoas possam optar por outro serviço de urgência. Mais: devem incluir os tempos de espera das outras unidades e instalar, além de mecanismos de alerta aos utentes, sistemas internos de alerta para comunicar situações de ruptura.

Devem também criar instrumentos para informar as administrações regionais de saúde respectivas e os restantes hospitais com serviços de urgência de toda e qualquer situação de excesso de procura, de maneira a permitir “a adopção atempada de medidas adequadas”, incluindo um redireccionamento de pacientes.

Horas à espera
Com maior ou menor gravidade, as situações avaliadas pela ERS são quase todas do mesmo teor: os doentes chegaram aos serviços de urgência, foram triados com pulseira amarela (urgente, o que significa que a observação clínica deve ser feita no período máximo de uma hora), mas acabaram por aguardar várias horas até serem atendidos por um médico. Em todos os casos analisados, os doentes morreram.

Há mesmo dois hospitais onde há registo de dois óbitos nestas circunstâncias. O de São Sebastião (Santa Maria da Feira), onde em 4 de Setembro de 2014 uma mulher aguardou cerca de três horas sem ser observada por um médico e morreu com um enfarte, e outro caso, em 5 de Janeiro deste ano, que foi amplamente noticiado. O paciente morreu depois de aguardar quatro horas e meia sem monitorização no serviço de urgência, onde entrou às 16h29. Às 21h, a pedido da família, foi retriado com pulseira laranja (muito urgente), mas acabou por morrer. A ERS concluiu que os processos relativos à triagem e subsequente atendimento médico não terão sido correctamente seguidos e que a conduta da unidade não se revelou, assim, “suficiente à garantia dos direitos e interesses legítimos” do doente.

Outro hospital com duas mortes analisadas é o Garcia de Orta (Almada). A primeira ocorreu em 11 de Janeiro (depois de três horas de espera, sem que lhe tivesse sido feito um electrocardiograma, um doente foi encaminhado para a sala de reanimação mas morreu) e a segunda aconteceu apenas seis dias depois. Neste último caso (uma doente de 89 anos esperou oito horas por atendimento médico) o enfermeiro consultor da ERS considera estar-se perante uma “situação grave”, até porque “faltam registos claros e alguns de certa gravidade desapareceram”.

O hospital alega que naquele dia foi necessário atender um número excessivo de doentes (havia 40 pacientes para dois enfermeiros) e que se registou um elevado número de situações graves e de reanimações (15). Mas reconhece que o clínico responsável pelo segundo caso teve uma postura “pouco proactiva” e admite a dificuldade dos chefes de equipa “em coordenar todos os elementos médicos”. Explica ainda que há cerca de quatro anos que tenta ter equipas dedicadas (a trabalhar a tempo inteiro na urgência), sem sucesso.

Também é posta em causa a actuação do hospital de São José (Lisboa) onde, ao início da madrugada de 27 de Dezembro de 2014, um doente foi encontrado morto numa maca depois de ter estado quase seis horas à espera de observação médica. O Centro Hospitalar de Lisboa Central (a que pertence o São José) fez notar, em sua defesa, que no dia 26 de Dezembro todas as urgências da Grande Lisboa estavam “sobrelotadas e em ruptura”.

Os outros casos aconteceram nos hospitais de Setúbal (em 2 de Janeiro de 2015, uma mulher morreu depois de quatro horas sem atendimento clínico) e no de Santarém (em 12 de Janeiro de 2015, um homem não resistiu após quase quatro horas de espera; o hospital alegou que havia profissionais a trabalhar havia 24 horas sem descanso).

Médicos indisponíveis para “sacrifícios adicionais”
A Entidade Reguladora da Saúde critica com especial ênfase a actuação do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra). Neste caso, é analisada uma morte que remonta a 25 de Novembro de 2013 no serviço de urgência. Triado com pulseira amarela às 16h47, um doente foi chamado para observação às 21h52, não respondeu, e apenas foi visto por um médico um hora depois, acabando por morrer às 23h55.

Os consultores da ERS consideram que houve neste caso erros graves, porque não foi feito electrocardiograma, o que nesta situação era “mandatório”, e porque não há registos clínicos.

O processo da reguladora inclui também as notícias que davam conta da situação caótica vivida na urgência do Amadora-Sintra nos dias 28 e 29 de Dezembro de 2014. Ou seja: aparentemente nada terá sido feito, passado um ano, para melhorar a prestação do serviço de urgência.

Em sua defesa, o hospital alega que aquela é a maior urgência da área metropolitana de Lisboa (serve 600 mil habitantes) e que uma parte substancial destes utentes não tinha médico de família (130 mil em Sintra e 70 mil na Amadora).

Lembra ainda que mais de metade dos médicos do hospital tem mais de 50 anos, o que o lhes permite recusar fazer urgências à noite, e que mais de 50% dos médicos deste serviço são contratados no exterior. Uma contratação que é dificultada, argumenta, pelo limite de 30 euros pagos à hora estipulado na legislação, o que não lhe permitia concorrer com os 50 euros por hora pagos pelos hospitais PPP (parceria público-privada). Por isso muitos médicos abandonaram o serviço, recorda, enfatizando que “há um grande descontentamento dos profissionais que estão menos disponíveis para sacrifícios adicionais”.

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