Mais um projecto PIN para replicar no interior o desenvolvimento do litoral
Vale do Freixo vai juntar-se à Quinta da Ombria para fazer da faixa do barrocal e serra uma plataforma turística. Os ambientalistas falam de um “descarado branqueamento político” na aprovação do projecto.
Um novo empreendimento turístico vai surgir no Algarve, em zona protegida pela Rede Natura 2000. Desta vez, a ideia é replicar no interior (barrocal) o modelo que se desenvolveu no litoral e conduziu à bolha imobiliária, cuja face mais visível foram as falências das empresas. No total, só para a União de Freguesias Querença-Tor e Benafim prevê-se a implantação de 3500 camas turísticas na zona de infiltração do principal aquífero do Algarve (Querença-Silves), protegido pelas leis comunitárias.
O aldeamento Vale do Freixo Golf & Country Estate, cujo anteprojecto já foi apresentado ao município de Loulé, incorpora capitais árabes e beneficiou da “diplomacia económica” do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas, tendo recebido a classificação de projecto de potencial interesse nacional (PIN), para acelerar e contornar restrições ambientais.
A associação ambientalista Almargem “lamenta” mais uma polémica aprovação de um projecto que foi considerado de “relevante interesse público”, embora siga o clássico modelo da região: hotel+campo de golfe+aldeamento. A classificação PIN, diz o presidente da Almargem, João Santos, não passa de um “descarado branqueamento político, justificado pelo alegado carácter de pólo económico, tecnológico e ‘verde’ do empreendimento”.
A proposta de construção na antiga Quinta do Freixo-Benafim contempla 1700 camas, semelhante em número ao projecto Quinta da Ombria (Querença), que fica a cerca de dez quilómetros de distância, em linha recta. João Santos considera que os “impactos cumulativos” são evidentes, manifestando-se por isso preocupado com o regresso da “febre imobiliária” à zona do barrocal e beira-serra algarvia: “Vamos informar Bruxelas do que se está a passar, porque, no nosso entender, não estão a ser respeitadas as legislações comunitária e nacional.”
O empreendimento foi considerado pela AICEP projecto PIN em 2012. Deste modo, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas admitiu que poderia ser aprovado, desde que fosse objecto de “adaptações e ajustamentos” para responder aos condicionamentos impostos pela lei. Há cerca de seis meses, o anteprojecto foi dado a conhecer à Câmara de Loulé. Porém, o presidente do município, Vítor Aleixo, diz que o processo “ainda decorre ao nível da administração central”, referindo-se à necessidade de serem acauteladas as áreas classificadas e os valores naturais com estatuto de protecção.
É preciso não esquecer, acrescenta João Santos, que na mesma zona está ser levado a cabo o projecto da Quinta da Ombria, ambos em cima do aquífero Querença-Silves. “Como é que a União Europeia vai ver mais este empreendimento, sem que sejam considerados os impactos cumulativos?”, questiona. E lembra que uma queixa apresentada em Bruxelas pela Liga para a Protecção da Natureza “obrigou a alterar radicalmente aquilo que estava inicialmente previsto na Quinta da Ombria”.
Protesto em Bruxelas
O licenciamento da obra arrastou-se por mais de duas dezenas de anos. Na altura, recorda João Santos, a resposta dada pela União Europeia ao recurso apresentado pelos ambientalistas “foi de que não seriam toleradas situações semelhantes [à Quinta da Ombria], pelo menos é isso que está subentendido na informação da Comissão Europeia”. Por conseguinte, a Almargem promete voltar a alertar Bruxelas. “Vamos lutar com todos os meios para que este novo atentado à identidade cultural e natural do Algarve não venha a ser perpetrado.”
O empreendimento Vale do Freixo desenvolve-se num terreno com 380,87 hectares, totalmente inserido na Rede Natura 2000 (barrocal), localizado próximo da área protegida da Rocha da Pena. A proposta de investimento prevê a criação de 350 postos de trabalho directos, quando estiverem construídos dois hotéis, um campo de golfe, oito aldeamentos e equipamentos complementares.
Em Dezembro de 2012, no decorrer de um périplo que realizou pelo Golfo Pérsico, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas destacou a importância deste investimento, promovido pela United Investments, empresa que integra capital da família Al-Bahar e já com presença no Algarve no Pine Cliffs Resort (Albufeira).
Na altura, o director-geral da United Investments, Carlos Leal, em declarações à Lusa no Kuwait, previa que as obras deveriam arrancar no início de 2014. Porém, a aprovação definitiva do projecto está ainda dependente da avaliação de impacto ambiental, o que implica recolher o parecer favorável de duas dezenas de entidades.
A afectação directa do aquífero Querença-Silves, sustenta a Almargem, foi a “razão fundamental para as fortes reservas da UE relativamente à Quinta da Ombria, que só recentemente é que iniciou a fase das terraplenagens para a construção do empreendimento que vai ter também 1700 camas. Por outro lado, consideram os ambientalistas, o empreendimento Vale do Freixo coloca em perigo vários habitats protegidos pela legislação comunitária e nacional. A título de exemplo — referem os ambientalistas —, a apenas uma centena de metros está “o mais importante abrigo algarvio de morcegos cavernícolas, classificado de importância nacional”.