Desradicalização: "Para cada pessoa há uma janela de oportunidade”

A longo prazo, a prevenção é a melhor arma contra o terrorismo. Mas não há casos perdidos, dizem psicoterapeutas e activistas. Alguém que se envolveu num movimento extremista violento pode ser ajudado a abandoná-lo.

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Quando se sai do metro no cruzamento da Avenida Léopold II com a Rua Ribaucourt, vêem-se farmácias, floristas, quiosques e cafés. Há árvores de um lado e do outro, mas a avenida é larga, tem muita luz e está cheia de vida. Há gente a andar de um lado para o outro, mães com crianças nas paragens de autocarro.

Ribaucourt é o nome de uma das duas estações de metro da Léopold II e uma das cinco do município Sint-Jans-Molenbeek, um dos 19 em que se divide Bruxelas e o único que não consegue desaparecer das notícias. Na terça-feira, os Estados Unidos anunciaram a morte de um francês num bombardeamento na Síria, Charaffe el-Moudan, um jihadista com ligações ao mentor dos atentados de 13 de Novembro em Paris, Abdelhamid Abaaoud, que aqui cresceu.

O belga Abaaoud, morto num raide da polícia francesa, não é a única ligação deste município aos atentados que fizeram 130 mortos. Salah Abdeslam, em fuga, e o irmão Brahim, que se fez explodir à porta do bar Comptoir Voltaire, viviam no número 30 da Praça Communale, numa casa de pedra com vista para a câmara.

O Molenbeek da Léopold II não parece encaixar nas notícias. A Léopold II, o bairro Ribaucourt e a Communale fazem parte do que o antropólogo Johan Leman chama o Alto Molenbeek. “Temos o Alto Molenbeek e o Baixo Molenbeek, que se divide em quatro distritos”, diz, à conversa numa sala do Foyer, o centro cívico que trabalha com minorias neste município desde os anos 1960. Para aqui chegar vindo do metro Ribaucourt, é preciso percorrer a rua larga e outras mais estreitas. Na Ribaucourt, há charcutarias halal (que cumprem os preceitos muçulmanos de preparação dos alimentos), lojas de candeeiros e de almofadas, de electrodomésticos e de telemóveis, e mercearias. É lá que fica o FC Molenbeek. À porta, está uma meia dúzia de jovens a fumar. Aqui, a taxa de desemprego aproxima-se dos 60% e isso nota-se. “Nos anos 1990, tínhamos 65 mil habitantes. Hoje, temos 100 mil, os 95 mil oficiais e quase cinco mil pessoas sem documentos. Numa geração, a população aumentou um terço, mas a dimensão desta pequena cidade ficou igual”, explica Leman, presidente do Foyer. Metade dos habitantes tem menos de 30 anos e, entre os desempregados, muitos “são filhos de gente que já estava desempregada”.

O Foyer está numa rua cheia de enormes edifícios, quase todos desocupados, numa área chamada Ateliers. A sede da ONG estende-se por vários. Tem vista para o canal Charleroi, que atravessa Bruxelas e separa o Molenbeek do centro, e fica numa das fronteiras entre o Alto e o Baixo Molenbeek. “Se sairmos daqui estamos no Moleenbeek Histórico, onde há 23 mil habitantes por km2. No outro lado da avenida, é um pouco menos, mas a média é 16 mil”, diz Leman. No conjunto de Bruxelas, a média é de sete mil.

Os grandes edifícios industriais já deixaram há muito de cumprir o seu objectivo. Os pais dos jovens que agora estão desempregados “chegaram nos anos 1960 para trabalhar na construção do metro”. Entretanto, a economia de Bruxelas passou a ser uma economia de conhecimento, diz o antropólogo. “Agora são precisos engenheiros e não podemos esperar que uma classe trabalhadora produza engenheiros numa geração. Vai produzir alguns, nunca poderia chegar aos 100%.”

Falta de mobilidade social

É de Molenbeek que se estima que tenha saído um terço dos belgas que se juntaram aos extremistas que combatem na Síria — 440, o maior número per capita da Europa. E é a Leman que muitos têm perguntado porquê.

À grande densidade populacional, à juventude da população e ao desemprego, o antropólogo soma a islamização a partir dos anos 1990. “Aconteceu na maioria das capitais europeias e não é necessariamente mau. Mas é diferente estar desempregado e trabalhar oito horas, chegar-se a casa cansado, passar tempo com a família e a religião ser uma pequena parte do quotidiano. Quando não se trabalha, a religião pode tornar-se uma identidade mais forte do que seria normalmente”, diz.

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“Temos o Alto Molenbeek e o Baixo Molenbeek, que se divide em quatro distritos”, explica o antropólogo Johan Leman, que trabalha no centro cívico e lida com minorias neste município desde os anos 1960 EMMANUEL DUNAND/AFP

Há outras características que ajudam a explicar os problemas, como uma mobilidade social muito selectiva e limitada. “Molenbeek é um lugar para os recém-chegados. Um imigrante chega e quer encontrar uma vida melhor, quando consegue essa promoção social, sai daqui”, diz Leman. “Só ficam médicos ou comerciantes, que têm pacientes e clientes.”

No Molenbeek Histórico, a ocidente do Foyer, há casas de cimento por pintar, prédios mais altos do que no resto do município, muito menos lojas, menos gente na rua e é mais difícil encontrar um parque infantil do que a leste do Foyer. Aqui, 70% da população é marroquina ou de origem marroquina, em todo o município é um pouco mais de 50%. “Os restantes 50% dividem-se em outras 100 nacionalidades, mas o mecanismo de mobilidade social é sempre o mesmo”, diz o antropólogo.

Outra particularidade do Molenbeek é que bastam 20 minutos a pé para chegar à Grand Place ou ao Parlamento. “Para algumas pessoas, isso é positivo, não se está isolado, como nos subúrbios franceses. É fácil atravessar o canal, em 15 minutos de metro, chegamos a Schuman, onde estão os edifícios da Comissão Europeia e a língua franca é o inglês.” O problema é que “alguém que vai até Schuman sabe que aquelas pessoas podem ganhar 15 vezes mais, às vezes com o mesmo diploma, e esse confronto está sempre presente.”

“Limpar Molenbeek”

Leman irrita-se com as repetidas críticas a Molenbeek e as “declarações incendiárias” que se seguiram aos ataques de Paris. “Agora vamos ter de ser repressivos”, disse o primeiro-ministro, Charles Michel, nos dias em que Bruxelas esteve em estado de sítio, com escolas e metro encerrados por “risco de atentado grave e iminente”. Pela mesma altura, o ministro do Interior, o nacionalista flamengo Jan Jambon, prometia “limpar Molenbeek”. “Deviam era ter vindo aqui e organizado uma manifestação, fazendo sentir às pessoas que a manifestação era delas, unir a população e não ostracizá-la”, defende Leman.

Os problemas actuais “são o resultado de uma política falhada e os franceses são os últimos que podem apontar o dedo”, diz. “Em 1987, fiz queixa contra um xeque que tinha um site onde negava o Holocausto. Consegui chegar aos serviços secretos e disseram-me: ‘Sim, sabemos que ele existe e onde está, foi expulso pelos franceses mas os serviços secretos deles estão a segui-lo, achamos que é um informador’”, recorda.

O xeque era o tunisino Dahmane Abdelssatar, que foi o primeiro marido da belga Malika el-Aroud, considerada uma das principais recrutas de jihadistas na Europa, várias vezes inocentada por falta de provas, condenada em 2008 por conspirar para cometer atentados. Abdelssatar “estava a ser tão bem seguido que matou o comandante Massoud”. Massoud, o líder da Aliança do Norte que combatia os taliban, foi morto a 9 de Setembro de 2001 por bombistas suicidas com passaportes belgas.

Dos três mil jovens que passaram pelas actividades do Foyer nos últimos anos, só dois partiram para combater com grupos como o Daash (como os árabes chamam ao autoproclamado Estado Islâmico). “Um foi para a Somália. Deixou-nos e começou a estudar o Corão, dois ou três anos depois partiu. A seguir, o irmão mais novo foi preso na fronteira da Síria”, conta.

O antropólogo já entrevistou familiares de outros 20 jovens que foram combater. Soube de vários através da Dar al-Amal (a Casa da Esperança), o centro da ONG dedicado às mulheres, onde há aulas de flamengo, culinária e passeios de bicicleta, na mesma lógica de tudo o que o Foyer faz: juntar membros de diferentes comunidades em ambientes seguros. “Uma senhora que vem à Dar al-Amal teve um primo que foi para a Síria; outra, dois sobrinhos. Ninguém veio directamente falar comigo. Um membro da equipa da Dar disse-me: ‘Ouvi a Mina contar a outra mulher, mostrou-lhe as fotos dele no telemóvel’”, conta. No início, era difícil conseguir que estas pessoas falassem. Tinham vergonha, pensavam que eram as únicas. “Uma senhora que falou comigo uma vez e recusou quando pedi uma segunda entrevista agora já conversa com as outras sobre o que aconteceu.”

Atenção aos sinais

Leman acredita que todos estes casos poderiam ter sido evitados se houvesse atenção aos sinais e uma intervenção a tempo. Alaa al-Murabit não podia concordar mais. A activista que nasceu no Canadá filha de líbios e se mudou para a Líbia na adolescência garante que “toda a gente pode ser desradicalizada”. Murabit acredita que “há janelas de oportunidade”: “Para cada pessoa há uma janela. Da mesma forma que há uma janela de oportunidade para se radicalizarem, há uma para os tirar desse processo”.

A conversa com a activista aconteceu em Dezembro, no Fórum Lisboa do Conselho Norte Sul do Centro da Europa, este ano dedicado ao combate à radicalização. Murabit fundou a sua ONG, A Voz da Mulher Líbia, aos 21 anos, estava ela a acabar Medicina e a revolução a começar no seu país. Recebeu prémios internacionais e a sua Campanha Noor (Luz), de combate à discriminação contra as mulheres baseada na distorção da religião, está a ser replicada na Palestina e na Jordânia.

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Os atentados de Paris de 13 de Novembro e que fizeram 130 mortos foram reivindicados pelo Estado Islâmico reuters

Murabit diz que o mais importante é “ouvir os jovens”, uma ideia que o psiquiatra alemão Harald Weilnbök e o sueco Robert Örell repetem. O primeiro é autor de vários projectos de prevenção e desradicalização e ajudou a criar a Rede de Sensibilização para a Radicalização (RAN na sigla inglesa) da Comissão Europeia, onde hoje co-preside ao grupo de trabalho Desradicalização e Estratégias Exit. O segundo trabalha na RAN e é director da Exit Suécia. Também estiveram em Lisboa na conferência de Dezembro.

A Exit nasceu no final dos anos 1980 para tentar que os neonazis suecos abandonassem o movimento. “Nessa altura, sabia-se muito pouco sobre os motivos e os caminhos que levavam as pessoas a envolver-se em organizações que promoviam o extremismo violento. E havia pouca confiança na possibilidade de se abandonar esse tipo de comportamento”, diz Örell. O trabalho de ambos centra-se nos neonazis (Örell esteve envolvido com o movimento na Suécia durante a adolescência) mas também lidam com gangues e têm usado a sua experiência para desenvolver projectos para o extremismo islamista. Segundo Örell, “podemos adaptar alguns elementos e chamar diferentes actores a participar, mas os princípios são os mesmos”.

“Em todos os grupos extremistas violentos encontramos pessoas que não se sentem parte da sociedade, que pensam a preto e branco, que criaram uma distância entre si e o resto da sociedade e que desumanizaram o outro para poderem aceitar e justificar o uso da violência”, diz o sueco.

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Julia Reinhart/corbis

Tanto Örell como Weilnbök recusam que haja casos perdidos. Para Örell, “o essencial é a pessoa estar motivada para a mudança”. Pode haver casos mais difíceis, tendo em conta o tempo passado num movimento ou a experiência dentro do grupo. “Se alguém esteve num ambiente de combate, terá traumas psiquiátricos ou um grau acrescido de desumanização. Mas eu lidaria com um caso desses da mesma forma”, diz Weilnbök, que pensa sempre por alguns momentos antes de começar a responder a cada pergunta. “Para um médico, a única distinção é que há pessoas a que conseguimos chegar e outras em que isso não é possível. Mas estes são muito poucos, diria um em dez.”

Relações de confiança

Esse “um em dez” pode ser alguém com distúrbios psíquicos profundos. Porque, apesar “de haver pessoas recrutadas numa fase em que enfrentam questões de identidade mal resolvidas, isso não significa que sejam casos psiquiátricos”, afirma Weilnbök. “Geralmente, o que temos são jovens em circunstâncias difíceis, que não estão doentes mas com os quais não podemos trabalhar sem as ferramentas da psicoterapia. Temos é de garantir que as pessoas que trabalham neste campo estão conscientes das questões de saúde mental, o que habitualmente não acontece.”

O essencial, defendem Weilnbök e Örell, é começar por construir “pontes e relações de confiança”. Por isso é que os profissionais que trabalham com estas pessoas têm de ser independentes do poder político. “Eles não confiam na autoridade e os membros das ONG surgem como mais neutros”, diz Örell. Weilnbök sublinha a importância da “garantia de confidencialidade” e do trabalho de grupo. “Pode haver sessões só com a pessoa, não há mal nenhum nisso, mas este é por natureza um fenómeno de grupo e essa dinâmica é fundamental. Estamos a falar de pessoas muito vulneráveis às dinâmicas de grupo e esta é a única forma de aprender a lidar com isso”, explica.

Parte deste trabalho é levar as pessoas que se radicalizaram a acreditar que há alternativas. “Na Europa, temos jovens a regressar aos seus países que dizem ‘eu não quero combater’ e a primeira coisa que fazemos é prendê-los. Isso envia uma mensagem”, defende Murabit. “A única alternativa ao Daash não pode ser 40 anos na prisão.”

Murabit fala muito de “sentido de dignidade”. Conta que relativamente a todas as pessoas que a sua ONG encontra “há sempre a crença de que foram humilhadas, que já não há lugar para elas nas nossas comunidades, seja nos países árabes seja nos países ocidentais”. Do outro lado, foi-lhes oferecida “a narrativa do herói”. Por isso é que é tão importante “explicar-lhes, ‘olha, isto é o que o grupo com quem tens estado faz, mas nós podemos oferecer-te algo melhor’ também do ponto de vista económico, para que estes grupos não pareçam a sua única oportunidade”, diz a activista. “Se conseguirmos oferecer incentivos, podemos ter aliados fenomenais.”

Leman, o antropólogo belga, usa outros termos para dizer o mesmo. “Em lugares como Molenbeek, devemos ter muito cuidado em não permitir que as pessoas se sintam desclassificadas, que não deixem de se sentir parte de uma sociedade onde há igualdade”, diz. “Não nos podemos permitir ter zonas onde as pessoas não encontrem sentido em estudar por pensarem que não vão ter trabalho. Temos de pôr as escolas em contacto com empresas”.

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Psicoterapia e trabalho em grupo são fundamentais para lidar com pessoas envolvidas em movimentos extremistas radicais nuno ferreira santos

O último projecto do centro passa por promover debates nas escolas do município, aulas “sobre o que é a cidadania e a liberdade, o que significa ser radicalizado, o que é o respeito pela diversidade”. A janela da sala onde estamos dá para o pátio do Foyer des Jeunes, onde se oferecem actividades extra-escolares a crianças a partir dos seis anos, mas também a jovens entre os 22 e os 25. Durante a conversa, ouvem-se vozes de duas miúdas pequenas, uma pertence à comunidade cigana, a outra é filha de nigerianos. Estão a ensaiar uma coreografia para um rap francês. “Há uma radicalização normal na adolescência, aos 16, 17 anos, temos crises de identidade e procuramos modelos”, diz Leman. “Mas se chegarmos a tempo há sempre alguma coisa a fazer, às vezes basta mudar de escola, mudar de ambiente. Não são casos de polícia.”

Leman defende que “desde que um jovem esteja num grupo plural, onde não se discutam apenas os capítulos do Corão ou o tamanho do lenço islâmico, se tiver acesso a desporto, a diferentes actividades e modelos, não se vai radicalizar”. O problema é “quando se afastam dos grupos plurais em que estavam envolvidos, aí temos motivos para nos preocupar”.

O modelo Aarhus

Falar abertamente de radicalização, construir relações de confiança, oferecer alternativas a quem esteja em risco ou já se tenha envolvido em movimentos extremistas violentos. Ouve-se isto tudo e é impossível não pensar em Aarhus, a segunda maior cidade da Dinamarca, de onde em 2013 saíram 30 jovens para combater na Síria e em 2014 só saiu um.

“Graças a um presidente da câmara visionário e ao trabalho de muitos departamentos e grupos da sociedade civil, Aarhus deu a volta e tornou-se um modelo”, diz Leen Verbeek, membro do Congresso das Autoridades Locais e Regionais do Conselho da Europa. “Eles focaram-se na prevenção, com uma abordagem multidisciplinar e muita atenção à educação cívica nas escolas, encorajando as crianças e os jovens a discutirem integração, discriminação, o que faz alguém tornar-se terrorista”, contou em Lisboa, onde esteve duas semanas depois de regressar de Aarhus.

O chamado “modelo Aarhus” passa por desenvolver relações de confiança com os círculos onde os radicais operam. Os dinamarqueses que regressam da Síria e do Iraque, assim como outros radicais identificados, entram num programa onde têm mentores e lhes é oferecido aconselhamento psicológico. Há apoio para as famílias criarem redes de ajuda mútua e as autoridades até mantêm contacto com a mesquita Grimhojvej, que apoia abertamente o Daash.

“Demasiadas vezes temos medo de falar com os nossos jovens. E, muitas vezes, as pessoas que são radicalizadas só estavam a gritar por atenção. A lei tem de ser respeitada, mas o Estado de direito também existe para nos proteger, para garantir que somos todos tratados com igualdade”, diz Verbeek.

Nas conversas com Murabit, Leman, Weilnbök ou Örel, às vezes, parece que está tudo por fazer. A líbia indigna-se com a “declaração de guerra” do Presidente François Hollande ao Daash e com a “facilidade com que se juntam países para bombardear a Síria, enquanto ninguém se mexe para mudar o sistema educativo”. Leman é muito crítico dos políticos “flamengos que, em vez de se juntarem às ONG no terreno, criam comissões que só aumentam a burocracia e onde só contam as estatísticas”.

Bons sinais

Mas todos começam a ver progressos. “Algo positivo nos últimos tempos é que os líderes muçulmanos perceberam que têm de se envolver. E na ONU vemos que muitos países começam a perceber que as bombas não acabam com o terrorismo”, diz Murabit. Örel, que aconselha a Comissão Europeia, diz que já conseguiram fazer passar duas mensagens — a importância de trabalhar com ONG locais e de usar quem deserta (e conhece as dinâmicas destes grupos) no trabalho de desradicalização.

O ministro Jambon acaba de anunciar um novo plano para Molenbeek, que passa por “registar todos os habitantes, registar as mesquitas e as casas de oração e combater o tráfico de armas e de drogas”. Leman não sabe se teve alguma influência, mas foi exactamente o que aconselhou “numa comissão fechada no Parlamento flamengo, na presença do chefe da polícia de Molenbeek e do director dos serviços secretos”.

Muitos dos jovens que se radicalizaram no Molenbeek “são pequenos criminosos, traficantes de droga por exemplo, e são estes que não vêm até nós”, diz Leman.

A Rua Ribaucourt desemboca na Praça Saint-Jean-Baptiste. A toda a volta há cafés e salões de chá. Ao fim da manhã ou a meio da tarde estão cheias de homens de várias idades. No Al-Andaluz, um chá de menta custa 50 cêntimos. Lá dentro o televisor está ligado na Al-Arabiya, o canal pan-árabe saudita, e, como na esplanada, só há homens. A maioria não quer falar. As pessoas estão fartas da atenção que o Molenbeek tem recebido. Mourad é uma excepção. Tem nacionalidade belga mas é filho de uma marroquina e um argelino. Queixa-se do “racismo do Governo e dos líderes europeus” e “da polícia, que não deixa Molenbeek em paz”. Tem 35 anos, recebe subsídio de desemprego e faz “pequenos trabalhos”. É em cafés como o Al-Andaluz que passam o dia muitos dos jovens desempregados do Molenbeek. Diz Leman: “Temos de ir procurá-los nos cafés.”

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Muitos dos jovens que se radicalizaram no Molenbeek “são pequenos criminosos, traficantes de droga por exemplo, e são estes que não vêm até nós”, esclarece o antropólogo Leman. EMMANUEL DUNAND/AFP
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