Estado deu em 2015 mais de 81 milhões às misericórdias por serviços de saúde

Para as santas casas foi transferida nos últimos anos a gestão de três hospitais e do Centro de Reabilitação do Norte. As misericórdias têm ainda quase metade da rede nacional de cuidados continuados.

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O Centro de Reabilitação do Norte é gerido pela Santa Casa da Misericórdia do Porto desde 2013 Adriano Miranda

Mais de 81 milhões de euros foram transferidos pelo Estado, só para as misericórdias, e só para a área da saúde, o que inclui os orçamentos anuais dos três hospitais já “devolvidos” às santas casas de Anadia, de Serpa e de Fafe, o do Centro de Reabilitação do Norte e a despesa das unidades da rede nacional de cuidados continuados integrados.

A maior fatia foi para a rede de cuidados continuados: as santas casas detêm actualmente quase metade (3843) das camas desta rede para onde são encaminhados os doentes que, após alta hospitalar, necessitam de um período para convalescença e recuperação. As unidades das misericórdias receberam em 2015 um total de 61,7 milhões de euros, de um orçamento global para os cuidados continuados de 134,5 milhões de euros, segundo os dados disponibilizados ao PÚBLICO pelo Ministério da Saúde.

As restantes instituições particulares de solidariedade social (IPSS) surgem em segundo lugar, com um valor de 34,3 milhões de euros em 2015. Os dados facultados pelo ministério não permitem avaliar todo o peso do sector social na Saúde. Mas são suficientes para enquadrar o processo de transferência de unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para as misericórdias que estava em curso e que foi agora interrompido pelo actual Governo.

O ministério liderado por Adalberto Campos Fernandes decidiu enviar para apreciação pelo Tribunal de Contas os casos de “devolução” de dois outros hospitais nacionalizados após o 25 de Abril e que eram das misericórdias (Santo Tirso e São João da Madeira). Estes processos estavam  já negociados e tinham o arranque previsto para 1 de Janeiro de 2016.

Foi o anterior Governo PSD-CDS/PP que transferiu a gestão do Centro de Reabilitação do Norte e dos primeiros três hospitais para as santas casas — Anadia, Serpa e Fafe. Estes três hospitais terão recebido, em 2015, mais de 7,1 milhões de euros do Estado, se os acordos assinados neste sentido tiverem sido cumpridos à risca.

Consultas até 2020
A ser gerido pela Santa Casa da Misericórdia do Porto, desde o final de 2013, o Centro de Reabilitação do Norte receberá em três anos 27,6 milhões de euros. Construído com dinheiros públicos e fundos comunitários, o Centro de Reabilitação do Norte foi transferido directamente, sem qualquer concurso público, o que foi muito contestado na altura por partidos de Esquerda, por dirigentes de sindicatos médicos, pela associação dos hospitais privados e também pela Entidade Reguladora da Saúde, que recomendou a reavaliação de todo o processo. Resta saber se, quando o actual acordo de gestão terminar, se optará por um concurso público.

Outra despesa também relevante acabou por ser formalizada em Novembro passado, quando, a poucos dias de deixar o poder, o Governo PSD-CDS/PP autorizou um gasto de mais de 130 milhões de euros, até 2020, para a contratação de consultas e cirurgias a oito santas casas da misericórdia da região norte. A resolução do Conselho de Ministros deu assim “luz verde” à despesa “relativa a acordos de cooperação” para a aquisição de “prestações de saúde” às santas casas da misericórdia de Esposende, Fão, Felgueiras, Lousada, Marco de Canaveses, Póvoa de Lanhoso, Riba de Ave e Vila Verde.

Na prática, estes acordos significam que os doentes podem ser referenciados por centros de saúde para os hospitais destas oito santas casas da misericórdia, que asseguram consultas e cirurgias, pagando os doentes a mesma taxa moderadora que seria cobrada nos estabelecimentos públicos.

Voltando à transferência de hospitais do SNS para as misericórdias, o processo foi iniciado com a entrega dos referidos três pequenos hospitais, mas estes estavam incluídos num grupo bem mais alargado que o anterior Governo se tinha proposto “devolver” ao sector social. Os acordos permitem a entrega, por dez anos, da gestão dos hospitais ao sector social  com a obrigação de que haja uma poupança de pelo menos  25%  em comparação com os custos de uma gestão estatal.

Em recente entrevista ao PÚBLICO, o presidente da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel Lemos, destacou que o processo de transferência de alguns hospitais nacionalizados terá começado com o ex-secretário de Estado socialista Manuel Pizarro. Mas na realidade foi o Governo de Pedro Passos Coelho que deu passos concretos e determinantes nesse sentido. O ex-primeiro-ministro, recordou Manuel Lemos, até o apanhou de “surpresa” no estrangeiro, ao anunciar que ia “devolver” 15 hospitais às misericórdias, pouco tempo depois de ter tomado posse.

Devolução contestada
Foi em Novembro de 2011 que Passos Coelho fez este anúncio e logo no ano seguinte constituiu-se um grupo de trabalho que estudou as três dezenas de casos em questão e propôs a metodologia de entrega de gestão. No ano seguinte, foi publicada uma nova legislação (Decreto-Lei 138/2013 de 9 de Outubro) que veio permitir acordos como o que culminou com a entrega do Centro Reabilitação do Norte sem concurso público.  

Respondendo a todos os que têm contestado a entrega ou a transferência de serviços e de unidades do SNS para o sector social, Manuel Lemos defendia, em Agosto, que os que pensam que “o Estado e o Governo estão a fazer um favor às misericórdias” estão “presos a pressupostos ideológicos serôdios”.

O certo é que a transferência dos dois últimos hospitais, agora interrompida, tem sido marcada por protestos. Um movimento cívico que reclama a manutenção da administração do Estado no hospital de São João da Madeira elaborou mesmo uma petição subscrita por mais de nove mil cidadãos, enquanto em Santo Tirso a Ordem dos Médicos e os sindicatos dos médicos da região Norte contestaram a transferência, avisando que poderá levar à diminuição de várias especialidades. 

Por último, ainda este ano, um despacho conjunto dos ministros da Solidariedade e da Saúde, datado de 29 de Julho, prevê a concretização de 20 projectos de cuidados continuados de saúde mental, entre 2015 e 2017, a maior parte dos quais (13) será entregue a misericórdias e institutos religiosos, segundo explicou na altura ao PÚBLICO o director do Programa Nacional para a Saúde Mental, Álvaro de Carvalho. Era o caso da Santa Casa da Misericórdia do Porto, da de Pinhel, ou do Centro Social Paroquial da Polvoreira (Guimarães). “Temos grande receio de que o que está constituído seja uma resposta assistencialista”, comentava Álvaro Carvalho.

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