Maria de Belém: “Este debate não é para fazer julgamentos ao meu carácter"

Corrupção no Estado agita frente-a-frente entre antiga presidente do PS e Paulo Morais, no arranque dos debates entre candidatos presidenciais.

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Maria de Belém e Paulo Morais estiveram frente-a-frente na SIC Notícias Miguel Manso
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Miguel Manso

No primeiro dia de debates para as presidenciais, Paulo Morais arrancou o frente-a-frente com Maria de Belém acusando-a de ter “grande responsabilidade, como todos os políticos ligados aos partidos, na situação a que o país chegou”.

Na SIC Notícias, referiu-se em concreto ao facto de “a classe política na generalidade” estar “ligada aos negócios” e apontou o dedo à “corrupção sistémica” que diz reinar no país. “Os portugueses estão fustigados por impostos, as empresas também, tudo para alimentar orçamentos do Estado que servem de manjedoura a grandes grupos económicos”, acusou, colocando em causa “a seriedade de todos os políticos”.

Maria de Belém protestou: “Acusações generalizadas desse tipo são completamente inaceitáveis, tem de referir-se a coisas concretas”. Em sua defesa, falou do seu percurso. “Enquanto ministra da Saúde fiz os orçamentos das obras em hospitais públicos voltarem ao valor inicial. Participei nos grupos de trabalho do combate à corrupção e fui deputada activa no combate aos paraísos fiscais”, disse.

A antiga presidente do PS vinha preparada para o confronto com o responsável da Associação cívica Transparência e Integridade e entregou ao jornalista um dossier “com tudo o que foi feito pela comissão parlamentar de saúde” enquanto a esta presidiu, “para que possa ser devidamente escrutinado e verem se alguma vez fiz alguma coisa em detrimento do interesse público”.

Mas o tema continuou, com Paulo Morais a acusar Maria de Belém de ter participado no Governo que criou as isenções de IMI aos fundos imobiliários, que diz ser “uma situação típica de corrupção”. A adversária não gostou do tom e reclamou: “Este debate não é para julgar o meu carácter, se têm acusações concretas digam”. E mudou a agulha.

Falando daquilo que é o seu programa como candidata presidencial, Belém defendeu que “o Presidente da República tem de ser um promotor do prestígio de Portugal” e de ajudar a encontrar “respostas para problemas gravíssimos” como o desemprego, apontando como um dos caminhos a inserção através da economia social.

O sistema financeiro marcou a segunda parte do duelo, com Paulo Morais a criticar toda a história do Banif “desde o seu nascimento”, mas em particular a forma como o processo foi conduzido nas últimas semanas.

“Na semana prévia à intervenção no banco, vimos uma estação televisiva dar notícias que se mostraram falsas e que levaram o capital do banco, que já era pouco, a esvair-se. O processo [de venda do banco] devia ter sido imediatamente suspenso e não foi. Manter-se o concurso após a manipulação de bolsa não faz qualquer sentido e injectar 2200 milhões de euros dos contribuintes no Banif é absurdo”, disse.

Maria de Belém tem outra visão. “A crise económica e financeira serviu para mostrar que a economia especulativa não dá resultado. Os Estados Unidos já estão a tomar medidas mas a Europa está atrasada nessa matéria”. E referiu-se às obrigações da união monetária para sugerir que podiam conduzir ao encerramento dos bancos nacionais: “Eu não quero um sistema financeiro em que não haja bancos portugueses, que são os que melhor protegem as nossas empresas”.

Criticou em particular a forma como está a funcionar o fundo de resolução bancária, do qual diz estarmos a ser “cobaias”: “No caso BES mostrou que pode pôr em causa a solidez da nossa banca, quando devia dividir o risco por todo o sistema bancário”.

Pelo meio, a candidata apontou uma única vez ao adversário: “Por muito interessante que possa ser o discurso de Paulo Morais, está sempre a entrar em instabilidade: só veta”. No final, Morais reconheceu que, consigo como Presidente, “haverá alguma instabilidade”. Mas isso não será mau, diz: “Não há nada mais estável do que um pântano”.

Cândido Ferreira abandona debate na TVI24
A primeira noite de debates ficou ainda marcada pelo facto de o candidato presidencial Cândido Ferreira ter abandonado, em directo, o debate televisivo, na estação TVI24, por discordar do modelo imposto, considerando-o discriminatório no tratamento e tempo de antena dado a todos os candidatos à Presidência da República.

Cândido Ferreira leu uma declaração na qual afirmava a sua discordância quanto à divisão dos candidatos presidenciais em três grupos, “impedindo que todos debatam com todos”, criticando a RTP, canal de serviço público, por participar neste modelo, e dizendo saber que “este combate é muito desigual”.

“Não me resignarei perante tão profunda e injusta discriminação”, declarou o candidato, que considerou que essa mesma discriminação “ficará para sempre a envergonhar esta eleição e a reduzir a democracia em Portugal”.

Cândido Ferreira declarou que “um Presidente da República corajoso e isento, como Portugal precisa, terá de ser o primeiro a não ter medo e a promover o princípio da igualdade”, acrescentando que “nunca poderá ser bom Presidente quem faz de conta que nada disto é com ele”.

“Retiro-me serenamente, mas com mágoa, deste programa”, disse antes de abandonar o estúdio onde deveria debater o seu programa eleitoral com Marcelo Rebelo de Sousa, Jorge Sequeira e Vitorino Silva, conhecido por Tino de Rans, afirmando ainda que essa é a “única atitude digna” de quem pretende jurar defender a República.

Após a saída de Cândido Ferreira, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou concordar com a atitude do candidato que abandonou o programa e manifestou mais uma vez a disponibilidade para debater individualmente com os candidatos.

O primeiro grupo é composto pelos candidatos Marcelo Rebelo de Sousa, Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém, o segundo, por Paulo Morais, Henrique Neto, Marisa Matias e Edgar Silva.

Do terceiro grupo constam Cândido Ferreira, Jorge Sequeira e Vitorino Silva.

Cândido Ferreira considera que o terceiro grupo é discriminado de uma forma “flagrante”, já que é o único cujos candidatos não podem debater individualmente com os do primeiro grupo - Marcelo Rebelo de Sousa, Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém.

Sampaio da Nóvoa e Marisa Matias divergem sobre Banif
António Sampaio da Nóvoa considerou, no primeiro debate televisivo entre candidatos presidenciais, que a solução adoptada para o Banif foi "a menos má", mas Marisa Matias rejeitou-a, afirmando que não teria promulgado o Orçamento rectificativo.

Neste frente a frente, transmitido na RTP, em canal aberto, com a duração de 25 minutos, os dois escusaram-se a antecipar o que farão se o Governo do PS ficar novamente sem o apoio dos partidos que o suportam no parlamento - BE, PCP e PEV - como aconteceu com o Orçamento rectificativo, viabilizado com a abstenção do PSD.

No início do debate, questionados sobre o que os distingue, Marisa Matias e Sampaio da Nóvoa não apontaram nada em concreto. Depois, interrogados sobre a solução adoptada para o Banif, manifestaram divergências.

"Julgo que esta foi a menos má das soluções", disse o antigo reitor. "Eu não concordo que essa solução seja boa", contrapôs a eurodeputada do Bloco de Esquerda (BE), discordando que se continue a "ir buscar dinheiro aos contribuintes".

Marisa Matias adiantou que se fosse Presidente "não promulgava" o Orçamento rectificativo apresentado na sequência do resgate ao Banif e referiu que na União Europeia têm sido adoptadas medidas de resolução diferentes, mas não especificou qual a solução que preconiza.

Para além desta divergência, a eurodeputada do BE demarcou-se do exercício de funções presidenciais de António Ramalho Eanes, que apoia Sampaio da Nóvoa e que este aponta como uma das suas referências. Por sua vez, o antigo reitor da Universidade de Lisboa realçou o facto de não ser "um candidato apresentado por um partido".

Sobre Ramalho Eanes, Marisa Matias afirmou: "Devo deixar claro que não me revejo no modelo preconizado por Ramalho Eanes, que enquanto Presidente independente usou as suas funções para criar um partido político nessa altura".

O jornalista moderador do debate, José Rodrigues dos Santos, observou: "No seu caso, já tem um partido político".

Mais à frente, foi Sampaio da Nóvoa quem se referiu ao facto de Marisa Matias ser a candidata do BE às presidenciais.

"Uma candidatura apresentada por um partido político, como é o caso da sua candidatura, é totalmente legítima, e não tem nem mais nem menos legitimidade do que a minha. Agora, são candidaturas diferentes. Há uma marca de diferença na maneira como esta minha candidatura é apresentada", considerou o professor universitário.

Sampaio da Nóvoa acrescentou que tem a certeza de que numa segunda volta das eleições presidenciais os dois estarão "juntos em torno de uma candidatura" contra Marcelo Rebelo de Sousa, a quem se referiu como "o candidato de Pedro Passos Coelho e de Paulo Portas".

Estes dois candidatos da área da esquerda declaram-se a favor da solução de governação actual, assente em acordos entre o PS e os partidos à sua esquerda, e subscreveram totalmente a redacção da Constituição da República, considerando desnecessárias quaisquer alterações ao texto em vigor.

Edgar Silva viabilizaria rectificativo, Henrique Neto defende estabilidade
Noutro dos debates da noite de sexta-feira, o candidato presidencial comunista disse que viabilizaria o orçamento rectificativo apresentado pelo Governo socialista e o seu concorrente Henrique Neto defendeu "a estabilidade das políticas", numa visão estratégica para Portugal, em debate televisivo.

Na TVI24, Edgar Silva e o empresário da área dos moldes distanciaram-se ainda do actual Presidente da República, Cavaco Silva, que consideraram "feito" com os "grandes especuladores" e as políticas dos últimos 20 anos, comentando a mensagem de Ano Novo do chefe de Estado.

"Apesar de profundas reservas, de discordâncias de fundo, a nível pessoal, com benefício da dúvida, enquanto Presidente da República, considerava que se poderia impor como necessária a viabilização deste documento", assumiu o membro do Comité Central do PCP, questionado sobre o voto contra dos comunistas no Parlamento, face ao Orçamento Rectificativo que o executivo de António Costa apresentou no contexto da situação do Banif.

Edgar Silva, insistiu nas críticas à "viscosidade da economia da corrupção", "clientelismo" e "desigualdade perante a lei", que desvirtuam o Estado de direito democrático, "plasmado na Constituição da República Portuguesa", e apresentou-se como "um Presidente, em primeiro lugar, português, um democrata, que cumpre o que jura - defender cumprir e fazer cumprir a Constituição".

"O Presidente deve defender acima de tudo a estabilidade política e a estabilidade das políticas", sustentou, por seu turno, Henrique Neto, mostrando-se crente numa boa relação com o primeiro-ministro e secretário-geral do partido de que é militante, o PS, embora um Presidente não tenha de ser "surdo, cego e mudo", e pode sugerir "uma visão estratégica" para o país.

Sobre aquela que terá sido a última comunicação ao país de Cavaco Silva, Henrique Neto disse que o actual Presidente da República, "às vezes, foi, outras não foi [independente]", face à sua família política, aproveitando para esclarecer que, ele mesmo - Henrique Neto -, "apesar de filiado num partido" socialista, está "como independente de lóbis, interesses, organizações".

"Ter elogiado muito o modelo político que temos vivido e que, ao longo de 20 anos, conduziu para o empobrecimento, esta promiscuidade entre política e negócios, os GES, o BPN, o BPP, o Banif... Elogiar o sistema que conduziu a todos estes processos, é porque ou não compreendeu o país ou então, como diz o povo, está feito com isso", criticou o empresário, referindo-se a Cavaco Silva.

Para o antigo padre e deputado regional madeirense do PCP, a mensagem de Cavaco "é feita de um conjunto de lugares comuns que estão muito distantes daquilo que é o país real", pois "omite directas responsabilidades no conjunto de políticas que trouxeram a Portugal mais exploração e empobrecimento", nomeadamente as suas "conivências" com os "interesses dos grandes especuladores agiotas, alheios a Portugal".

"Portugal não precisa de alguém que dê continuidade a este conjunto de compromissos do Presidente, que esteja vinculado a estas políticas", adiantou, numa clara referência a outro candidato, o antigo presidente do PSD e comentador político Marcelo Rebelo de Sousa.

Instado por Henrique Neto a pronunciar-se sobre uma alteração à lei eleitoral de forma a serem adoptados os círculos uninominais, com os deputados à Assembleia da República a serem escolhidos pelos cidadãos, em vez das "listas fechadas elaboradas pelos directórios partidários", Edgar Silva defendeu não ser justo fazer generalizações sobre o desempenho de todos os parlamentares, acrescentando tratar-se de um problema, talvez em partidos como o PS, pois há muitos deputados com grande relação de proximidade com os respectivos eleitorados.

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