O problema da arte

A arte, por acaso, é uma atividade que implica a validação empírica daquilo que produz? Não. Então, porque é que se continua a considerar isso como "conhecimento"?

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Kate Williams/Unsplash

Gonçalo M. Tavares diz, para a revista Ler, qualquer coisa como (não vou transcrever, porque não tenho a revista comigo e apenas tentei decorar) "Literatura: conhecer o lado escondido do humano".

É deste tipo de perigos que acarreta o consumo de arte. Neste caso, o autor refere-se à sua área de atividade - a Literatura -, mas o mesmo pode ser aplicado a qualquer outro tipo de arte.

Conhecer o lado escondido do ser humano? Conhecer? Como?

Um escritor, neste caso, não é mais do que alguém que leu muitos livros, de ficção ou não, que tem toda essa informação que deles recolheu mais toda a restante que recebeu através dos mais variados tipos de influências, e que projeta em si próprio, nos outros seres (vivos ou não), aquilo que resulta da interação encefálica complexa dessas informações.

A arte, por acaso, é uma atividade que implica a validação empírica daquilo que produz? Não. Então, porque é que se continua a considerar isso como "conhecimento"? Conhecimento do quê, afinal? Toda a arte é mera abstração, mera assunção. Que raio de valor de "verdade" é que tem?

Quantas vezes já não deram por vocês a ler um livro ficcional novo e a extrapolar do que lá é exposto, e que interpretam à vossa maneira, de acordo com as influências que receberam e que os conduzem a trabalhar a informação de uma determinada maneira, e que nunca poderá ser diferente do resultado dessas mesmas influências, visto que o cérebro em si não contém ideias inatas nem tem acesso a "mundos de ideias", e em determinada altura deparam-se com uma expressão de algo com o qual encontram familiaridade e, daí, identificam-se com isso, com o personagem ou a situação em questão, e integram essa informação por ser coerente com a restante informação que detêm, passando a recorrer a ela para explicar determinado comportamento que têm, determinados pensamentos que têm, ou até para projetar nos outros? Por isso também é que tão facilmente se dizem coisas como aquilo que um determinado autor produziu como obra poder estabelecer uma perfeito paralelo com outros aspetos da história humana ou da "condição" ou "natureza" humana, no sentido de generalizar para algo que conhecem, mas que provavelmente nem nunca sequer passou pela cabeça do autor quando produziu o que produziu.

Há muito de pernicioso para a sanidade associado à atividade artística. E não vale a pena ler de cartilhas liberais, bem pensantes, democratas ou o que for para distinguir a atividade artística de qualquer outra atividade cuja produção de "conhecimento" associado não se baseia na validação empírica, mas sim simplesmente naquilo que anda pela cabeça das pessoas, seja religião, misticismo ou esoterismo. Soar bem não tem nada a ver com exprimir uma "verdade" sobre o que quer que seja. Identificação com a obra também não, apenas que as nossas influências nos conduzem a aceitar a informação que recebemos dessa obra, que entretanto já interpretámos à nossa maneira.

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