Minha caixa de correio está cheia de boas festas

São tantas as mensagens de felicitações que ninguém fica realmente feliz ao recebê-las em anónimas doses industriais.

Aprecio muito terem-se lembrado de mim. Mas desconheço qualquer relação de amizade, grau de parentesco ou afinidade laboral que justifique o cartão de Natal que me enviaram. Chegou dia 23 de Dezembro à minha caixa de correio electrónico. E não veio sozinho.

A mensagem da Hexagon Safety & Infrastructure penetrou na minha privacidade digital com a mesma enxurrada que trouxe outras de igual conteúdo, encaminhadas por entidades ou pessoas com as quais nunca partilhei episódios de vida. Fui ver de que empresa se tratava e li que a sua especialidade é ajudar organizações “a superar obstáculos para melhorar operações e gerir mudanças de uma forma inteligente e eficaz”. Na virada do ano, até que vem a calhar.

No entanto, nunca lhes convoquei os serviços. Da mesma forma, nunca fiz compras na Lyoness, o elevador do meu prédio não é Schneider, não sou utilizador do Easymail, nem cliente da SLM Design, ignoro as soluções tecnológicas da Techsul IT Solutions e não faço ideia do que vende a Lovers and Lollypops – se os primeiros, os segundos, ambos ou nenhum.

Não vos conheço, mas não sou mal educado. Por isso, boas festas para vocês também. Vai um pouco atrasado, o Natal já passou, mas é do coração e ainda há a passagem de ano para nos empanturrarmos de comida, alegria e votos.

Obrigado mesmo. Mas não precisavam ter-se incomodado em me incluir nos milhares de contactos para os quais enviaram os vossos cartões de Natal. Eu sei que não custa nada, mas são tantos que não dou conta e a gentileza de muitos ficará sem resposta.

Que não o fiquem a Herdade da Malhadinha Nova, a Amieira Marina, a Analima e a Fata Macedo. A Bind’ó Peixe, a Braga Ciclável, a Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, o Grupo Municipal Os Verdes de Lisboa, a Escola de Negócios da mesma cidade e o Jornal das Caldas. As universidades de Lisboa, de Coimbra e do Algarve.  A Editora RH, a Magnética Magazine e a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. As empresas, associações, institutos ou colectivos similares, representados por siglas enigmáticas, como PCAND, INSPSIC, BA&N, ISDOM, FEDARENE, APDA e EDC.A Clínica de Saúde e a equipa de triatlo da Associação Académica de São Mamede.

A multiplicação da generosidade é um bem absoluto mas tem os seus efeitos colaterais. São tantas as mensagens de felicitações que ninguém fica realmente feliz ao recebê-las em anónimas doses industriais.

Os ingleses Henry Cole e John Horsley estavam longe de imaginar que os primeiros cartões de Natal que desenharam, imprimiram e venderam em 1843 sofreriam tamanha metamorfose. Antes enviavam-se directamente aos entes queridos. Depois, o amor ao próximo alargou-se aos clientes, e toca a mandar cartões à lista de contactos profissionais – seja com uma nota pessoal legítima ou apenas a higiénica assinatura de todos os directores lá da empresa.

Agora que as listas de contactos são ilimitadas, os cartões vão para todos sem irem para ninguém. Banalizou-se o acto, na expectativa de um retorno que me parece francamente improvável, dada a insignificância do indivíduo nos emails universais.

Pelo menos esta avalanche cibernética poderá salvar árvores, poupar energia e minimizar lixo. Só nos Estados Unidos, ainda circulam cerca de 1,6 mil milhões de cartões de Natal de verdade por ano, segundo a associação do sector. Se forem todos pela Internet, podem centuplicar aquela cifra. Eu aposto que 99% não serão lidos e muitos carteiros quedarão sem trabalho. Mas esta inutilidade não custará tanto ao planeta.

 

 

 

 

 

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