A crise sem fim

A crise europeia não vai chegar ao fim até a Alemanha decidir restaurar a dinâmica de integração regional.

A União Europeia parece imersa numa crise interminável. Em 2005, quando os eleitores franceses rejeitaram o Tratado Constitucional, Felipe González disse que se tratava de um terramoto cuja intensidade ainda não se podia medir: a sequência ininterrupta de crises nos últimos dez anos tornou as suas palavras proféticas.

As fracturas estão a descoberto em todas as dimensões relevantes – na política interna dos Estados, na União Europeia e no seu “estrangeiro próximo”. Desde logo, a ascensão dos movimentos populistas antieuropeus e o declínio dos grandes partidos tradicionais abriram uma crise da democracia. Em Janeiro, a vitória do Syriza nas eleições gregas destruiu o sistema partidário e tornou possível formar uma coligação de governo entre o novo partido maioritário da esquerda e um partido da direita nacionalista e, em Dezembro, nas eleições regionais francesas, a Frente Nacional tornou-se o primeiro partido nacional. Essa viragem confirmou uma tendência forte: as forças populistas são o maior partido na Hungria, na Grécia, na Suíça, na Polónia e em França e estão a crescer na Grã-Bretanha, em Itália e na Espanha, enquanto os velhos grandes partidos perdem posições: o Partido Socialista grego deixou de existir, os Republicanos e o Partido Socialista representam em conjunto metade do eleitorado francês, o Partido Conservador e o Labour passaram a ser partidos ingleses, os Democratas-Cristãos e os Sociais-Democratas alemães voltaram a formar uma grande coligação governamental.

A crise dos refugiados reforçou os movimentos populistas de direita e revelou uma crescente falta de confiança dos Europeus em si próprios. Perante a vaga de imigrantes, os Estados europeus começaram a restaurar as fronteiras no interior do “Espaço Schengen” – a Hungria, a primeira a romper a “Cortina de Ferro” em 1989, foi a primeira a construir um novo muro – mas o Conselho Europeu não conseguiu encontrar o consenso para restaurar as fronteiras externas da União Europeia.

A crise prolongada confirmou as novas divisões europeias. A separação entre os Estados membros da “Eurozona” e os que pertencem só à União Europeia acentuou-se e a marginalização da Grã-Bretanha torna mais credível o Brexit. A clivagem entre os credores e os devedores, vincada pelas ameaças de expulsão da Grécia, veio pôr em causa o princípio de igualdade entre os Estados na “Eurozona” e, ao mesmo tempo, inverteu a dinâmica de integração regional. A União Europeia passou a ser mais hierárquica e menos democrática, enquanto as tendências de fragmentação dominam a relação do centro com as periferias não só à escala europeia, mas também na Grã-Bretanha e na Espanha, com a radicalização separatista na Catalunha e na Escócia, que ameaça criar crises constitucionais: se no referendo do próximo ano os partidários do Brexit ganhassem sem maioria na Escócia, os nacionalistas escoceses podiam recusar-se a acompanhar a saída da Inglaterra da União Europeia.

A duração da crise tem sido acompanhada por uma crescente paralisia da capacidade de intervenção externa da União Europeia, cujo “estrangeiro próximo” está dominado por um anel de fogo que une a “guerra hibrida” na Ucrânia Oriental às guerras civis na Síria, no Iraque e na Líbia. A ausência de uma estratégia de democratização perante a “Primavera Árabe”, a incapacidade de responder à escalada da violência na Síria e a passividade perante a ressurgência do revisionismo russo confirmaram, interna e externamente, a percepção dominante do declínio europeu.

Em Setembro, a intervenção da Rússia acentuou a internacionalização da guerra na Síria e essa tendência foi confirmada pela resposta aos atentados de Paris de 13 de Novembro, quando o Presidente francês declarou guerra ao “Estado Islâmico” e invocou a cláusula de segurança colectiva do Tratado de Lisboa. Todavia, para lá da necessidade de neutralizar as redes terroristas do “Estado Islâmico”, nomeadamente em território europeu, não parecem estar reunidas as condições indispensáveis nem para impor a cessação das hostilidades na Síria, nem para restaurar um quadro de estabilidade na vizinhança da União Europeia. No mesmo sentido, o rapprochement com a Rússia na frente síria não pode ter como contrapartida o reconhecimento das suas posições na Crimeia e na Ucrânia Oriental, sob pena de estimular novas iniciativas que visam pôr em causa o statu quo internacional.

A crise europeia não vai chegar ao fim até a Alemanha decidir restaurar a dinâmica de integração regional. O preço é óbvio, mas a principal potência europeia aprendeu com os Estados Unidos que a melhor forma de estabelecer uma preponderância duradoura é esperar para ser convidado a exercer uma “hegemonia benigna” e obter desse modo o reconhecimento formal da sua legitimidade. Resta saber se e quando as outras partes estão preparadas para dar esse passo.

Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-UNL)

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