O economista discreto que bateu o pé a Sócrates e tem o futuro da TAP em cima da mesa

Foi secretário de Estado antes dos 30 e é ministro com menos de 40 anos. António Costa confiou-lhe uma das pastas mais importantes do novo Governo.

Foto
Pedro marques (ao centro de mão na boca) Miguel Manso

Pedro Marques, 39 anos, tomou posse há menos de um mês. Inaugurou um ministério inédito – Planeamento e Infra-estruturas –, e tem em mãos uma das mais complexas negociações do momento. Uma daquelas que ditam a sorte de um Governo. António Costa prometeu, na sexta-feira, que o "Estado retomará 51% do capital da TAP". Na véspera, Pedro Marques recebeu os accionistas que controlam a maioria do capital da transportadora aérea e ouviu-os garantir que não abdicam da sua posição.

A sua lista de tarefas não é pequena. Terá de planear o próximo ciclo de fundos comunitários, além, é claro, de executar o actual. Para se ter uma ideia, esta também é uma área vital para o Governo. Os fundos são o único instrumento de política económica ao dispor de um Governo pressionado e com um orçamento sob vigilância. Por isso, António Costa criou esta pasta e entregou-a a Pedro Marques. "É o melhor nome possível", garante Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, que se tornou amigo do actual ministro na altura em que ambos se destacavam no Ministério do Trabalho, como secretários de Estado de Vieira da Silva.

Pedro Marques garante ao PÚBLICO que está consciente da importância da tarefa. E que planeia cumpri-la "dando o menor número de pretextos possível para que haja polémica e crispação". Uma das suas prioridades é "executar" o máximo "com o mínimo de polémica partidária", garante. E dá como exemplo o "plano estratégico de transportes e infra-estruturas", que pretende aproveitar do anterior Governo, em vez de "redesenhar" um à sua medida.

Esta é a faceta "conciliatória" e "moderada" que o seu colega de Governo, Ricardo Mourinho Félix lhe reconhece, já desde os tempos de faculdade.

José Sócrates, António José Seguro e António Costa podem ter pouco em comum. Mas todos repararam no jovem economista, de olhos azuis, ar sério e gosto por fatos escuros, que domina alguns dos temas mais importantes do debate político nos últimos dez anos: Segurança social, orçamento, fundos comunitários, demografia.

Essa capacidade de dar nas vistas, sendo discreto, é responsável pelo seu percurso rápido, e pouco habitual. Ainda estudava Economia no ISEG, quando recebeu o primeiro convite de um Governo. Acabou a licenciatura, em 1998, e concluiu o mestrado em Economia Internacional quando Ricardo Mourinho Félix, seu colega de faculdade (actual secretário de Estado Adjunto, do Tesouro e das Finanças) o sugeriu a Vieira da Silva,  secretário de Estado da Segurança Social do último Governo de António Guterres.

Em rigor, este não foi o primeiro emprego de Pedro Manuel Dias de Jesus Marques, que nasceu em Lisboa em 1976. O seu primeiro trabalho é uma espécie de prenúncio do lugar que agora ocupa, como ministro do Planeamento e Infraestruturas do XXI Governo Constitucional. Começou por dar, "a convite de um professor" do ISEG, adianta ao PÚBLICO, "consultoria de apoio à gestão de fundos comunitários", num projecto de renovação urbana do antigo Plano Especial de Realojamento. Estávamos em 1997. Viviam-se anos de expansão económica. O segundo Quadro Comunitário de Apoio, antecessor do QREN que agora tem a seu cargo, disponibilizava verbas para bairros sociais. Esteve lá dois anos, entre o fim da licenciatura e o início do mestrado.

O seu orientador de tese, António Mendonça, viria a ser ministro. E vários dos seus colegas no ISEG destacavam-se na Juventude Socialista (JS): Jamila Madeira, sua contemporânea, e Pedro Nuno Santos, um ano mais novo, foram líderes entre 2000 e 2008.

Politicamente, o jovem economista começa a sobressair no Montijo, onde cresceu e ainda vive com a sua mulher, colega do ISEG, e três filhas. É no Montijo que, em 1997, o PS reconquista ao PCP a câmara. E é por essa via que Ricardo Mourinho, já com responsabilidades na JS distrital de Setúbal, se apercebe do seu interesse pela política e se lembra de o indicar como hipótese para assessor de Vieira da Silva.

Foi contratado para prestar apoio macro-económico. Mas fez muito mais do que isso. Tornou-se indispensável.

Na altura contava apenas com uma curta experiência profissional no sector privado, como consultor da CISED, durante pouco mais de um ano.

Continuou envolvido na política local e ganhou a eleição que haveria de derrubar o seu Governo. Em 2001, depois dos maus resultados do PS nas autárquicas, Guterres demitiu-se e o PSD de Durão Barroso venceu as legislativas. Pedro Marques assumiu o seu mandato de vereador na câmara do Montijo, com os pelouros da Ação Social e Saúde, Habitação Social, Juventude, Planeamento e Desenvolvimento Económico.

Em 2005, com o regresso do PS ao Governo, Vieira da Silva passa a ministro. E convida-o para a secretaria de Estado da Segurança Social. Tem 29 anos. Ao seu lado, no Emprego e Formação Profissional está Fernando Medina, apenas três anos mais velho.

Com o segundo maior orçamento de todo o Governo para gerir - as verbas da Segurança Social são autónomas do Orçamento do Estado - Pedro Marques consegue duas coisas que hão-de ser determinantes quando a maré muda, no segundo Governo de Sócrates.

A primeira é a alteração das regras da Segurança Social - com a introdução do "factor de sustentabilidade" ligado à esperança de vida - acordadas na Concertação Social. Logo em 2006, o jovem governante fica ligado àquele que porventura o legado mais visível dos mandatos de Sócrates. Isso, lembra o seu companheiro de Governo e amigo Fernando Medina, permitiu-lhe ganhar "um peso político muito forte no Governo".

A segunda é o traquejo. Quando o Governo fica em minoria no Parlamento, e a crise internacional se começa a fazer sentir nas contas públicas portuguesas, é por ele que passam boa parte dos embates políticos.

O mais difícil terá sido, talvez, o que o opôs às Finanças, na altura dirigidas por Texeira dos Santos, sobre os cortes em duas prestações sociais emblemáticas: O Rendimento Social de Inserção e o Complemento Solidário para Idosos.

O balanço final é difícil de fazer, mas Pedro Marques foi, muitas vezes, o principal obstáculo, dentro do Executivo, à vontade de cortar ainda mais nas prestações sociais na era dos PEC.

Sócrates ouvia-o. Muitas vezes discordaram. Eram ambos "teimosos". Nesse "período muito violento", lembra um ex-governante, Pedro Marques era dos que mais vezes "batiam o pé a Sócrates".

Terá sido então, também, que começou a ganhar forma a ideia de fazer um doutoramento sobre o Estado Social. Não só em Portugal, mas em toda a Europa, lembra Pedro Marques, começou a encarar-se o Estado Social "não como um activo, mas como um problema".

Antes de começar o doutormamento veio a troika. E com ela, mais cortes. O PS mudou de líder. Pedro Marques (como Vieira da Silva e Fernando Medina) não apoiou nenhum dos candidatos. Nem Seguro, que ganhou, nem Assis. Ficaram num limbo. Havia quem apontasse os dois jovens ex-governantes como hipóteses para ajudar à "pacificação" do partido, naquela época de corte com o passado. Os seus nomes foram sugeridos para lugares importantes. António José Seguro chamou-os para a batalha parlamentar, como vice-presidentes do grupo parlamentar. Pedro Marques ficou como porta-voz do partido para os assuntos orçamentais. Ali, bateu-se de novo pelas mesmas "convicções": Os cortes no Estado Social são apenas uma forma ideológica de substituir aumentos de impostos", criticou, na altura.

Medina, que costuma jogar ténis com Pedro Marques, lembra que o ministro "não gosta de perder nem a feijões – nem um debate, nem um ponto de ténis". E que uma das razões para ser "extraordinariamente eficaz" é a forma como se prepara para tudo. Dos debates parlamentares, às reuniões.

O projecto do doutoramento, entretanto, "foi adiado". Os últimos anos passaram a correr. A família cresceu. Com o nascimento das gémeas, Pedro Marques é agora pai de três meninas. Talvez por isso, aquilo a que chama "um compromisso com a vida pessoal", tentou deixar a política e retomar uma carreira de consultor económico.

Mas só o fez depois de garantir que deixava o partido com António Costa na liderança. 

Renunciou ao mandato de deputado em Outubro, logo após as primárias socialistas. O seu nome voltava a ser falado para outros voos. Líder parlamentar, por exemplo. Não esperou para ver.

Mas a experiência numa empresa privada voltou a ser fugaz. Entrou na Comissão Executiva da Capgemini em Outubro de 2014. Saiu em Novembro de 2015 para o Governo. "Não estava nos meus planos", diz, a rir.

Sugerir correcção
Ler 9 comentários