Uma luta desigual

Quando a agenda mediática se alinha demasiado com a agenda partidária, a democracia fica a perder.

A campanha eleitoral para a Presidência da República rege-se por dois princípios fundamentais: a igualdade de oportunidades e a liberdade de expressão. O segundo não pode ser interpretado separadamente do primeiro. Isto é, não é apenas a coação sobre os candidatos ou a limitação da liberdade de imprensa que fere a liberdade de expressão dos candidatos e os princípios políticos, económicos e sociais por estes defendidos, mas a ausência de condições para que essa liberdade se possa efectivar. Sem condições paritárias de acesso e tratamento a cada um dos candidatos por parte da comunicação social, pública ou privada, o direito de liberdade de expressão não tem qualquer significado. Esse direito não tem sido devidamente acautelado ao longo das várias campanhas presidenciais que tiveram lugar desde o momento em que os candidatos militares recolheram à caserna e os partidos com representação parlamentar assumiram, com preponderância, a propositura e/ou apoio de candidatos à Presidência da República.

As eleições presidenciais demonstram, sistematicamente, uma relação assimétrica de poder entre os candidatos apoiados pelos partidos e os ditos independentes. Esta assimetria de acesso e tratamento por parte da comunicação social, sobretudo a televisão e a imprensa convencional, no decurso da campanha eleitoral, fica demonstrada num recente estudo sobre a presença/visibilidade dos candidatos às eleições presidenciais de 2016, realizado por uma equipa de investigadores da Universidade de Sofia em colaboração com a Universidade de Aveiro, como se pode verificar no quadro/gráfico em destaque.

Os resultados apresentados pelo Wholeads.eu, resultantes de uma análise de conteúdo das notícias sobre as eleições presidenciais veiculadas em mais de 20 media outlets (canais de televisão e rádio, imprensa tradicional, redes sociais, etc.) não oferecem uma previsão sobre o eventual desfecho eleitoral. Por outras palavras, a maior ou menor presença ou visibilidade de um candidato em diferentes órgãos de comunicação social não se traduz automaticamente numa maior ou menor probabilidade de sucesso eleitoral. Porém, indicam uma tendência sobre o potencial eleitoral de um determinado candidato resultante do nível de cobertura e tratamento mediático. Esse potencial é claramente díspar entre candidatos com e sem apoio partidário, o que levanta sérias dúvidas quanto à efectivação da igualdade de oportunidades e, por conseguinte, da liberdade de expressão. Esta situação torna-se ainda mais grave pelo facto de não haver nenhum candidato que se proponha a um segundo mandato presidencial.

Visto que todos os candidatos partem, supostamente, em pé de igualdade para esta corrida, os únicos elementos diferenciadores admissíveis, à luz do princípio de igualdade de oportunidades, são as suas próprias valências, isto é, a sua oratória, fisionomia, sociabilidade, capacidade de articulação de temas, etc. Tudo o resto não resulta do mérito do candidato e deve ser objecto de regulação. Infelizmente, eleição após eleição, assistimos a um predomínio mediático das candidaturas com apoio partidário, sem que tenham sido tomadas as devidas medidas regulatórias para que as melhores condições para o pluralismo e livre concorrência fiquem asseguradas na prática e não apenas no papel.

Já devíamos ter aprendido: nas últimas duas eleições presidenciais, dois candidatos independentes – Manuel Alegre em 2006 e Fernando Nobre em 2011 – tiveram resultados que surpreenderam o establishment político e mediático, mas que eram esperados por aqueles que estavam no terreno e acompanhavam de perto a evolução da campanha. A comunicação social foi apanhada em contrapé. É um erro que não deve ser repetido, a bem do debate público, do pluralismo político e da credibilidade dos media. Quando a agenda mediática se alinha demasiado com a agenda partidária, a democracia fica a perder.

Cientista político, Universidade de Aveiro (lmsousa@ua.pt)

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