Os telefones, enquanto extensões de nós próprios, tanto podem servir para promover a aproximação, como para dificultar indirectamente a comunicação. Pelo menos é o que pensa a cantora americana Erykah Badu, 44 anos, que resolveu dedicar toda uma mixtape ao assunto. Criada em conjunto com o jovem produtor Zach Witness, incluiu originais, recriações e releituras, caminhando algures entre a reverência ao classicismo soul, à electrónica mais funk ou à claridade do hip-hop.

Não é a primeira vez que opta por um projecto conceptual. Basta recordar New Amerykah Part One (4th world war) de 2008 ou New Amerykah Part Two (Return Of The Ankh) de 2010, onde reflectia o mundo sociopolítico pós-11 de Setembro na sua América. Nesta nova aventura a voz continua inatacável e as palavras denotam mais idealismo, vontade de interrogar as fronteiras da intimidade, do que consciência social ou fervor político. Outras mergulham num tipo de introspecção só possível em quem acredita em algo maior que a vida.

As canções são feitas de ritmos estendidos e tranquilos, excursões de hip-hop, jazz, funk e soul, de dinâmica subtil. Ela canta como respira e, talvez com a excepção do tema final, não há propriamente uma canção que se diferencie, como se todas participassem no mesmo fluxo contínuo. Não é obra imediata, mas deixa-se descobrir aos poucos, com uma sonoridade minimalista marcada pelos dinamismos inalados no hip-hop, pelas tonalidades da soul e por alguns arranjos cósmicos.

O último tema é magnífico, uma balada envolvente que recria Hello it’s me, êxito dos anos 1970 dos Isley Brothers, que conta com a participação de Andre 3000, dos OutKast, pai de um filho de 18 anos com Erykah Badu. É uma canção onde o par mostra que, apesar de já se ter separado, mantém uma comunicação serena, mesmo ao telefone.

Poderá existir a tentação de considerar este material como sendo menor. Puro engano. Há por aqui canções ao seu melhor nível. E se pensarmos que desde 1997 apenas lançou seis álbuns, mais vale agarrarmos este sem reticências, porque nunca se sabe quando a voltaremos a ouvir.