“Unmotherhood”: diário de uma jovem que decidiu abortar

Não era o momento certo e, por isso, Jex Blackmore, 29 anos, quis interromper a gravidez. Num blogue conta todos os passos: a decisão, a dor física, o preconceito. Há cada vez mais mulheres a contarem histórias semelhantes online

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Jovem conta o processo físico pelo qual passou durante o aborto Daquella manera / Flickr

Comprar um teste é a primeira decisão. Jex Blackmore comprou dois — porque não queria acreditar no positivo do primeiro. Mas, à segunda, o resultado repetiu-se: a jovem de 29 anos estava grávida e isso era, para ela, uma péssima notícia. “A decisão de nos convertermos em duas pessoas é monumental. Às vezes é o momento, outras vezes não. E este não é o momento.” O desabafo foi feito para o mundo, num blogue intitulado “Unmotherhood” onde relata passo a passo a decisão — e a vivência — de interromper a gravidez.

“Quis fazer isto na primeira pessoa para quebrar o tabu e criar cumplicidade com todas aquelas que tenham passado pelo mesmo que eu e, claro, pelas raparigas que se encontrem na mesma situação”, explicou a jovem americana ao site PlayGround. Jex Blackmore não está, na verdade, sozinha. Um número crescente de mulheres tem partilhado online as histórias de abortos na hashtag #ShoutYourAbortion, onde se batalha pelo direito de decidir interromper uma gravidez. 

No site Unmotherhood, Jex, porta-voz de um templo satânico nos Estados Unidos, não quer apenas combater o estigma social ao qual mulheres que praticam um aborto estão sujeitas, mas também explorar o lado emocional e físico associados a este acto médico.

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Jex foi insultada por vários internautas e sofreu algumas ameaças

Passados poucos dias dos tais dois testes de gravidez, e depois de alguns enjoos, Jex iniciou o processo. “Escolhi o aborto médico em vez do cirúrgico porque me parecia menos invasivo para o meu corpo”, conta. Na clínica, foi-lhe dada uma pastilha de Mifepristona, para bloquear a hormona progesterona. Mas o que veio depois não foi simples: “24 horas depois, tens de tomar um anti-inflamatório como Ibuprofeno para as dores, além de um medicamento para as náuseas e mais uma pastilha, Misoprostol. Esta é que causa contracções que desprendem o tecido da gravidez”, lê-se no blogue. “São horas a sofrer cãibras até expulsar esse tecido. Dói muito.”

A partilha feita tão frontalmente não foi bem recebida por todos. Jex foi insultada por vários internautas e sofreu algumas ameaças. “Chamaram-me doente, assassina, vagabunda, idiota, irresponsável.” A americana percebeu que para muita gente o sexo é uma espécie de "contrato de gravidez". No blogue, explicou que ficou grávida mesmo tendo usado protecção mas ainda assim muita gente centrou críticas na vida sexual dela. Ao contrário do que aconteceu com o parceiro, quem mesmo tendo contado a história onlinem não foi submetido a qualquer tipo de crítica.

No Michigan, de onde é natural, os processos logísticos e legais necessários para realizar uma interrupção voluntária da gravidez são longos. E os conselhos dados, acusa a jovem, “tendenciosos”. [Proporcionam] informação focada no desenvolvimento do feto, recomendando clínicas que, descobrimos depois, são anti-aborto e onde tens de esperar 24 horas para ter acesso ao tratamento.”

Enquanto aguardava vez na clínica, Jex sentiu que as mulheres à volta e ela própria estavam de tal forma incomodadas que “não estabeleciam contacto visual”, lamenta em conversa com o PlayGround: “É estranho porque estávamos todas na mesma situação e podia haver empatia.” Não foi tristeza nem depressão nem insegurança. O que Jex diz ter sentido, acima de tudo, foi um mau-estar físico. Três dias depois do aborto, ainda sentia dores que a impediam de dormir. O blogue continua a ser actualizado. 

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