Quando a riqueza no subsolo gera violência e miséria à superfície

A exploração de coltan é feita em cenário de guerra, no Congo. Na Índia, mulheres e crianças transportam pedras de 20kg em cestas de vime. Na Colômbia, as minas são construídas à base de de madeira, cordas e plástico. O fotolivro "Black World", de Erberto Zani, chama a atenção para a violação dos direitos humanos no contexto da mineração ilegal

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Erberto Zani

A extracção ilegal de minério força milhões de pessoas em todo mundo a trabalhar em "condições sub-humanas". É, segundo o fotógrafo Erberto Zani, um trabalho caracterizado pela "opressão, violência" e pelo "desrespeito pelos direitos humanos".

As fotografias de "Black World" são fruto de trabalho intensivo do fotógrafo por três continentes: África (Congo), Ásia (Índia) e América do Sul (Colômbia). Durante três anos, entre 2012 e 2015, Zani visitou três tipos de minas: de coltan, de carvão e de ouro, respectivamente. O P3 conversou com o fotógrafo.

Congo: “A queda dos preços é o resultado de toda a violência”

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A febre do ouro está de volta, na Colômbia. Erberto Zani

“Muitos tentaram desencorajar-me de entrar nesta área e agora que estou aqui começo a entender porquê”, escreveu o fotógrafo no diário da viagem ao Congo. “A atmosfera é sombria devido à constante presença militar armada com kalashnikovs, um lembrete deprimente de que me encontro numa zona de guerra.” A guerra, alimentada por divergências de base étnica e política, “dá origem ao caos que beneficia o lucrativo tráfico ilegal de minério”.

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Na Colômbia, o nível das águas dentro de uma galeria pode subir repentinamente Erberto Zani

Na República Democrática do Congo, o coltan é uma importante fonte de receita nacional. Trata-se de um dos materiais com maior procura no mercado mundial, actualmente, “extremamente resistente ao calor, com propriedades condutoras (de electricidade) excepcionais”. “O seu uso é dedicado especialmente à produção de telemóveis computadores, ‘tablets’, materiais para uso em contexto espacial e armas de controlo remoto." O valor de mercado deste recurso é “tão caro que suscitou o interesse de empresas multinacionais e organizações criminosas”. As minas de coltan são controladas sobretudo por grupos armados que as reclamaram à força, contra o próprio governo e populações locais. “Os soldados armados pelas diversas facções são financiados para gerar o caos e, desta forma, permitir que o processo da extracção mineral seja executado a preços ridículos”, observa Zani.

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Na minas de carvão indianas, o trabalho infantil é uma realidade Erberto Zani

“Sob a supervisão dos compradores ruandeses, soldados e polícia exploram as populações locais e monitorizam o território, a extracção, a fase de produção e o transporte para fora do Congo”. A comercialização é feita a partir do Ruanda e não do Congo e este é um factor importante. “Para impedir a comercialização de minerais com origem em zonas de conflito, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama assinou o acordo Dodd-Frank, em 2010, introduzindo a obrigação de certificação de origem do minério”. Devido a essa imposição, o coltan passa a provir “oficialmente” do Ruanda, quando na verdade foi extraído em zonas de conflito onde o custo da mão-de-obra foi esmagado, com elevado dolo para a população trabalhadora. Assim, paradoxalmente, a regulação internacional vem beneficiar os compradores. “Os preços são então decididos confortavelmente pelas grandes corporações a partir do Ruanda. Um quilo de manganês ou coltan, que era antes vendido a 50 dólares, custa agora 20 dólares. A queda dos preços dos minerais congoleses é o resultado de toda a violência na região.”

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Retrato do fotógrafo italiano Erberto Zani

Índia: “uma fornalha inextinguível”

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No Congo, a exploração do coltan é feita em cenário de guerra Erberto Zani

Existe uma região do subsolo indiano, uma área de aproximadamente 450 quilómetros quadrados, que é rica em carvão. A extracção deste minério atinge, nos últimos anos, os 80 milhões de toneladas por ano. Dois terços da energia consumida no país é gerada a partir do carvão, o que torna a Índia, segundo Erberto Zani, “uma fornalha inextinguível”.

Bokahapadi, uma pequena vila na província de Jharkland, fica dentro da "zona de extracção" e é o local de residência dos trabalhadores da mina. "É uma vila sombria feita de materiais reutilizados: telhados de plástico, chão em terra batida, sem saneamento ou acesso a água potável. Mesmo o número de habitantes é incerto. A quantidade de pó no ar reduz a intensidade da luz do sol e cria uma estranha mistura de nuvens com nevoeiro. Gases tóxicos são libertados contaminando tudo com metano e monóxido de carbono. Não é mera coincidência que a maioria da população tenha problemas respiratórios graves."

Nesta região, apenas os homens mais saudáveis são contratados pelas empresas de mineração. As mulheres e as crianças carregam pedras que podem pesar até 20 kilos em cestos de vime através das íngremes encostas que ligam a mina à aldeia mais próxima. “O trabalho infantil é comum em Jharkland, como em toda a Índia”, salienta o fotógrafo. A restante população de Bokahapadi é forçada a procurar outros meios de sobrevivência, o que na região pode não ser tarefa simples. O roubo deste minério é, então, encarado pelos restantes habitantes como uma alternativa: trocam-no por poucas rúpias no mercado negro de Dhanbad ou utilizam-no directamente nas suas casas para garantir o funcionamento das suas cozinhas e aquecimento. “É um paradoxo que os legítimos donos das terras, aqueles que sempre viveram sobre um enorme depósito de um recurso que gera biliões de dólares anualmente, sejam forçados a roubar pequenas porções de carvão, arriscando serem detidos pelas autoridades ou mortos pelos soldados privados das empresas de segurança.”

Colômbia: “a febre do ouro está de volta”

Na Colômbia, segundo Zani, o negócio da cocaína perde força para o das "enormes riquezas do subsolo". Ao que parece, “a febre do ouro está de volta”. Actualmente, um grama de ouro vale 32 euros, o que faz incendiar a disputa pelo controlo das minas, dando origem à expulsão violenta das populações nativas. Os grupos paramilitares FARC e ELN e o próprio exército colombiano digladiam-se há mais de trinta anos por razões políticas, mas também – e cada vez mais – pelo controlo do território rico em ouro. "Uma escalada no número de massacres e violações fomenta as expulsões" nas regiões de interesse, dando origem a que milhares de deslocados se fixem, de forma desordenada, nos subúrbios das grandes cidades de Bogotá e Medelin.

Na mina de Carrizal, em Antioquia, na Colômbia, "podem esquecer o conceito de mina moderna, com camiões, escavadoras, elevadores ou electricidade", disse ao P3 o autor. "Existem apenas geradores a ‘diesel’, construções em madeira e corda e tubos de plástico gasto." Nenhum dos mineiros usa qualquer tipo de protecção e o contacto com substâncias tóxicas (como por exemplo, o mercúrio - usado para separar o ouro dos sedimentos que o envolvem) torna-se inevitável. Os mineiros trabalham todos os dias das oito às três. "O ordenado de cada um é a divisão de 40% dos lucros pelo total de trabalhadores. Os restantes 60% são colocados num fundo comum para despesas de manutenção, embora grande parte acabe nos bolsos de polícias corruptos." Existe apenas uma entrada vertical para a mina, o que limita a capacidade de fuga num terreno conhecido pela abundância de poços de água. "Estávamos reunidos a uma profundidade de 260 metros numa galeria, quando o nível das águas começou a subir." O velho motor responsável pelo bombeamento de água para fora dos túneis não é de confiança e, por vezes, falha. "Quando o nível da água chegou à cintura, alguns homens começaram a rezar. Os outros tentavam determinar se o problema se devia a um entupimento do tubo de extracção e tentavam desimpedi-lo com as próprias mãos. Desta vez, as suas preces são atendidas e o velho motor recomeça. Oito meses antes, oito pessoas perderam a vida deste mesmo modo."

O fotolivro "Black World" ainda não existe, fisicamente. O autor procura financiamento para a sua publicação através de uma campanha de crowdfunding (a decorrer). O fotógrafo não é estreante no P3, tendo publicado recentemente um projecto sobre as condições de vida das famílias refugiadas sírias no Líbano.

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