Entrada na pista do circo

Perante uma crise, Marcelo não será muito diferente de Cavaco. Apenas mais habilidoso. Um verdadeiro ilusionista. Pode é deixar-se encadear com as luzes da pista.

Devido à proximidade de calendários – mais uma imprevisão do Presidente – as eleições presidenciais foram relegadas para um indevido plano. Os partidos polarizaram-se nas legislativas e secundarizaram as outras, como se tivessem importância menor. Claro que PCP e BE têm candidatos próprios, fazem sempre o trabalho de casa. Também as suas manobras são mais fáceis, pelo menos historicamente. Mas PS, PSD e CDS deixaram quase tudo para o fim. Finalmente, as presidenciais entraram agora na agenda.

O PS não tinha um candidato óbvio, com história, protagonismo e visibilidade. Alegre já não estava disponível, Costa andava ocupado e o mítico Guterres quando a pés juntos se negou, já não deixou espaço para uma segunda escolha interna. Sampaio da Nóvoa vinha de longe, com percurso aberto por Soares, a que se juntaram Eanes e Sampaio. Do PS nem sim, nem sopas. Os apoios surgiram sempre de modo individual, aos poucos, (como o deste vosso escriba que aqui revela a sua manifestação de interesse) sem posição firme da direcção do partido. O PS andava ocupado com as legislativas. A candidatura foi vista, inicialmente, como revivalismo do 25 de Abril o que, convenhamos, não era cartaz para atrair os de menos de cinquenta anos. Aos poucos foi-se tornando cívica, republicana e independente, valores respeitados. Tão independente que o PS se dividiu: entre os que vislumbraram em Nóvoa laivos de intervenção anti-partidos e por isso, sem outro argumento o rejeitaram; e os que se foram aproximando, conhecendo o candidato há mais tempo e apreciando a sua vida cívica e académica. Do PS continuava a vir o “não me comprometas”. Provavelmente alguma decisão teria surgido logo após as legislativas, se Maria de Belém não se tivesse posto ao caminho. Com audácia, reconheçamos, mas sem muitos mais atributos. Saltou do comboio socialista a tempo de tentar o resto da viagem de automóvel. O tempo e o modo do seu lançamento não caíram bem a muitos, mas atraíram outros. O que permitiu à candidata tentar pescar no centro político, águas sempre turvas, com os melhores pesqueiros já prometidos a Marcelo. Não admira, pois, que sondagens revelem ser o PS um manancial que alimenta duas candidaturas. Por agora, a sua luta é vencer Nóvoa e tentar desacreditar Marcelo. Tal como para Nóvoa, o objectivo imediato será vencer Maria de Belém e fazer tremer Marcelo. Práticas simétricas a pescarem essencialmente no PS. O que vier, para Belém, será quase só do centro e talvez umas pitadas da direita. O que vier, para Nóvoa, será quase sempre da esquerda e espera daí grandes pitadas.

Aqui chegados, tudo se joga nos tais acréscimos. Se Nóvoa agregar votos afectos ao PCP e ao BE pode vencer Belém. Já Belém dificilmente compete na direita com Marcelo. Mesmo desconfiada de Marcelo, a direita é pragmática e segurá-lo-á. Por saber limitado esse crescimento, não surpreende que Maria de Belém, se proclama de centro-esquerda, ataque Marcelo mesmo em termos pessoais, jure cooperação a Costa e até esquerdize aqui e ali o seu discurso. Critica Cavaco pela má gestão da crise e visa conquistar a Nóvoa a bem aventurança da República e do civismo. Nóvoa tem que criticar Marcelo com a estabilidade e Belém com a independência, genética em si, adquirida na sua rival.

Do PS não será visível qualquer movimento. Acobertado pela trincheira do respeito pelos dois candidatos que tão bem quadra aos dois PS, o da esquerda e o do centro, encontrou o alibi ideal. Até à primeira volta nem o periscópio levantará.

Marcelo, por seu turno, frui a vinha que semeou desde há mais de vinte anos: notoriedade imensa, simpatia semanalmente renovada, penetração em todos os meios, sortidas ao PCP e BE, borlas ao PS. Os seus partidos de suporte, por estranho que pareça, não são esses, são a direita unida, mesmo que arrependida de não ter outro candidato. Grande equívoco: Marcelo será sempre o esteio da direita, desengane-se a esquerda. Habituado a inflectir em terreno curto, finta e contra finta, às vezes finta a própria sombra. Mas nunca se engana. No momento decisivo apoia a sua família política. Treinado, durante décadas em argumentação capciosa e pseudo-independente, terá sempre uma desculpa para o catavento mudar de orientação: a culpa será do vento.

Quanto ao PSD e CDS, na sua versão actual, não terão alternativa senão apoiar Marcelo. Este procurará escová-los. Eles mendigarão um tempo de antena, um comiciozinho. Não precisam de tanto se rebaixar. O homem tem sempre o coração à direita. Perante uma crise, não será muito diferente de Cavaco. Apenas mais habilidoso. Um verdadeiro ilusionista. Pode é deixar-se encadear com as luzes da pista.

Professor catedrático reformado

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