Não é como o pai: ela quer o poder

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Quando Marine le Pen foi eleita presidente da Frente Nacional (FN), em Janeiro de 2011, sucedendo ao pai, Jean-Marie le Pen, escrevi que ela era muito mais perigosa do que o progenitor. Para não ser tomado por extravagante, tive de pescar citações a confirmar o dito. Há uma diferença fundamental entre pai e filha. “Jean-Marie le Pen não visava a vitória, contentava-se em fazer campanhas presidenciais sem real estratégia. Depois da passagem do testemunho à filha, a situação é radicalmente diferente: Marine le Pen quer conquistar o poder” (Le Monde). Hoje, ela tem todas as hipóteses, não de vencer mas de disputar a segunda volta das presidenciais de 2017 contra Hollande ou Sarkozy (ou outro).

O franceses descobriram Marine na televisão na noite de 5 de Maio de 2002, quando Jean-Marie disputou pela primeira e única vez a segunda volta das presidenciais. Representou o inverso da imagem de marca do pai: feminina, ponderada, calma e sem excessos. A mudança não se limitou à imagem. Mudou de estratégia para transformar a FN de partido de protesto num partido de vocação governamental. Para o tornar “apresentável”, abandonou as grosserias e provocações do pai e mandou para o lixo a “tralha ideológica” da velha extrema-direita, a começar pelos resquícios anti-semitas. Queria “desdiabolizar” a FN. Os temas xenófobos passaram a ser cobertos pelos “valores laicos e republicanos”. Depressa anunciou: “Passámos de um voto de protesto para um voto de adesão.” As sondagens confirmaram-na.

Ela tem a ambição de “devorar a direita tradicional”. Nas eleições de 2007, Sarkozy julgou ter matado a FN ao apropriar-se dos seus grandes temas: imigração, islão, segurança, identidade nacional. Marine agradeceu-lhe mais tarde: ao assumir os seus temas, Sarkozy facilitou a passagem de eleitores da direita tradicional para a FN. À cópia preferiram o original. Veio depois o arsenal antieuropeísta, da denúncia do “monstro de Bruxelas” ao combate contra o euro. Por isso, ao vencer as eleições europeias de 2014, transformou a França no novo “grande problema da União Europeia”.

Por trás do sorriso habita uma política implacável. Observou um jornalista: “Ela tem a intuição política que lhe permite discernir o campo em que se abre uma janela de vulnerabilidade. Demonstrou um instinto de caçador, o gosto pelo sangue e o prazer de ferir ou abater.” O próprio “Papá” já o experimentou. Corre em França uma banda desenhada, situada em 2017 e narrando o seu acesso ao poder. É feita por gente de esquerda com uma mensagem implícita: “Agora, não podem dizer que não sabiam.” Marine sorri: gosta de que os franceses se vão habituando à ideia.

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