Mudar de método para evitar um desastre na Europa

A Europa olha para a subida da Frente Nacional (FN), o primeiro partido político em França, com um misto de surpresa e incredulidade, como se os resultados das eleições regionais de domingo passado - que esperamos possam ser contrariados na segunda-volta de hoje - fossem totalmente inesperados.

Esta evolução confirma uma tendência que se arrasta há muito de adesão às ideias nacionalistas, extremistas, racistas e antieuropeias da líder da FN, Marine Le Pen.

Não é possível ficar indiferente ao que se passa em França, tanto no plano dos princípios e valores democráticos, como pelas suas implicações para a Europa: uma vitória de Marine Le Pen nas eleições presidenciais de 2017 - totalmente possível - significará seguramente o fim da UE.

Não é só por esta razão, no entanto, que a UE vive a mais grave crise política, económica e social dos seus 65 anos de vida.

Apesar de continuar a ser o melhor garante da paz no Continente e, alegadamente, a melhor protecção num mundo globalizado, a Europa é cada vez mais vista pelos cidadãos como incapaz de resolver as suas enormes dificuldades quotidianas.

A UE e os seus líderes têm a sua parte de responsabilidade no atual sentimento de desconfiança de que se alimentam os extremismos e nacionalismos. Com os seus avanços e recuos, dificuldade de tomar decisões e promessas deixadas pelo caminho, agravadas pela brutalidade com que geriu a crise da dívida soberana, pelos dogmas do ajustamento orçamental, pela falta de respostas para o desemprego maciço e pela inoperacionalidade gritante na crise dos refugiados, a Europa não convence.

Longe de ser um processo "natural", o projeto europeu foi sempre o resultado de duas dinâmicas: a necessidade de ultrapassar, quase sempre sob pressão, as crises sucessivas que marcaram a sua história - muitas vezes com respostas improvisadas ou mal preparadas -, e a capacidade de alguns estadistas de ver mais longe.

Entre os projectos europeus mais recentes, a União Bancária foi sobretudo o resultado da primeira dinâmica enquanto a União Económica e Monetária - o Euro - resultou mais da segunda.

No rescaldo da crise de 2008, a União Bancária tornou-se indispensável para evitar que a derrocada de bancos "demasiado grandes para poderem falir" arrastasse consigo os Estados. Para quebrar a espiral de contágio entre bancos e Estados, criaram-se novas regras comuns, que incluem um mecanismo de supervisão único e um mecanismo de resolução único dos bancos, dotado de um fundo de resolução e de uma autoridade de resolução igualmente únicos.

Foi também a crise de 2008 que ilustrou algumas das grandes fragilidades da UEM: a falta de instrumentos de convergência estruturais e anti cíclicos (no projeto inicial de Jacques Delors, a moeda única exigia um orçamento europeu de 5% do PIB) e de defesa da dívida soberana contra a especulação, as consequências da limitação do mandato do Banco Central Europeu ao combate à inflação, a redução da vigilância europeia das políticas económicas nacionais ao controlo dos défices orçamentais, ou a incapacidade de tornar o Pacto de Estabilidade e Crescimento num verdadeiro instrumento de regulação económica.

Inúmeros economistas tinham alertado desde início para as lacunas da UEM, mas sempre encontraram como resposta que, tratando-se de um projeto político, os políticos supririam as necessidades a seu tempo.

A crise de 2008 veio perturbar esta e muitas outras crenças, e, sobretudo, pôr a nu as limitações do velho método dos pequenos passos em projetos de grande sofisticação e alto risco, como é, precisamente, o caso da UEM e da União Bancária, mas não só.

São projetos demasiado importantes e sofisticados para poderem ser construídos por partes, sem responsabilidade institucional e ao sabor de impulsos pontuais ou das oscilações das conjunturas políticas ou partidárias, que alteram em permanência os calendários e questionam os próprios objetivos.

Foi precisamente isso que aconteceu nos últimos anos. Em 2012, no auge da crise, quando a sobrevivência do Euro chegou a estar verdadeiramente em causa, a UE teve na mesa uma panóplia de soluções: criação de um fundo de amortização da dívida pública, emissão de dívida em comum, criação de um Tesouro europeu com um orçamento específico para a Zona Euro (para amortização de choques e combate às divergências), apoio financeiro às reformas estruturais dos Estados, recapitalização directa dos bancos pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM), protecção do investimento, fim da concorrência fiscal desleal.

Passada a pressão da crise, todos estes projetos, ou partes fundamentais deles, ficaram pelo caminho.

Hoje, o grande programa de relançamento da União Monetária ficou praticamente reduzido ao reforço da vigilância orçamental e aos novos mecanismos de controlo e prevenção dos desequilíbrios macroeconómicos, com a agravante de que, na prática, vigiam sobretudo os países deficitários e não ousam interferir com os altamente excedentários.

Pior: o debate sobre a gestão comum da dívida soberana não só está esquecido como começa a ser substituído por outros novos, insidiosos, sobre a gestão da "falência organizada dos Estados" - o que nos aproxima do relançamento político da ideia de países terem de sair do Euro -, a limitação da exposição soberana dos bancos e mesmo a "valorização" do risco soberano.

Na União Bancária, a prometida garantia comum europeia dos depósitos - o terceiro pilar do edifício que é tanto mais essencial quanto a supervisão já é uma realidade e a resolução arranca em Janeiro -, também está em risco: o sistema de "resseguro" das garantias nacionais de depósitos que está agora na mesa já é uma versão mitigada da promessa original e que mesmo assim foi arrancada "a ferros" e já está desencadear uma rejeição violentíssima da Alemanha.

Estes debates estão nos antípodas da lógica da "comunitarização" crescente dos projetos comuns que sempre prevaleceu ao longo do processo de integração europeia e que, no pico da crise do Euro, era considerada indispensável para salvar o mais emblemático projecto da UE.

Esta evolução resulta, também, do facto de, por diversos motivos internos e externos à UE, os Estados se terem apropriado da agenda, desviando-a, precisamente, dos métodos "comunitários" de decisão e reforçando um método de cooperação entre Governos - intergovernamental - mais apropriado ao século XIX do que aos desafios actuais, e completamente contrário à agenda de partilha de soberania assente na confiança mútua. Quando a dúvida se instala sobre se o interesse comum não terá sido capturado pelo interesse dos mais poderosos, o projeto fica inevitavelmente inquinado e os mecanismos de autodefesa e renacionalização fertilizam.

A UE tem de se repensar urgentemente, incluindo as suas finalidades, as suas opções e o seu método de funcionamento. E tem, sobretudo, de cumprir as promessas feitas em tempo de crise.

Sem uma mudança de rumo assumida em comum e para o bem comum, será Marine Le Pen a impor a pior mudança possível, da pior forma e pelas piores razões.

Eurodeputada eleita pelo PS e coordenadora dos Socialistas e Democratas Europeus na Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu

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