Não há como fugir a Jennylee

Aproveitando uma pausa nas Warpaint, a baixista testou a sua capacidade de sobrevivência criativa a solo. Right On!, álbum mais rude do que a música do grupo, é a prova de que há vida para além da banda.

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Jenny Lee suporta toda a música das Warpaint com o pulsar de um groove robusto e embriagante MIA KIRBY

Com as Warpaint em palco, é difícil não ficar grudado nos movimentos de Jenny Lee Lingdberg. Não por a baixista ser mais expansiva do que as suas companheiras de banda, não por ter sido bafejada por um charme que faz esquecer tudo o que resto que acontece à sua volta, mas porque em concerto torna-se demasiado evidente que o baixo é o centro da música do quarteto. Se às guitarristas é permitido vaguear com absoluta liberdade, se a música se encaminha muitas vezes de forma destemida para movediças terras do psicadelismo e sempre sai de lá viva e com escassos arranhões, se as investidas em temas atirados para a frente por uma maquinaria rítmica não sucumbem à sonolência ou à frieza, isso deve-se a Jenny Lee suportar toda a música das Warpaint com o pulsar de um groove robusto e embriagante. Em cada música, é Jenny Lee que nos obriga a não ceder a qualquer distracção. É como se mantivesse cada ouvinte preso por uma trela. Não dá mesmo para fugir-lhe.

Serão poucos, muito poucos, os baixistas mundo fora a manobrar um magnetismo tão efectivo. E fala-se de baixista porque, no universo do rock, o baixo é um instrumento pouco prezado, uma espécie de mal necessário e cujos donos não são especialmente considerados como criadores (a menos que acumulem a função de vocalista). Ora Jenny Lee participa apenas nos coros das Warpaint, entregando as vozes principais às também guitarristas Theresa Wayman e Emily Kokal. E, no entanto, mesmo sabendo-se que Wayman prepara igualmente um álbum a solo, a expectativa em relação a um percurso autónomo justifica-se sobretudo no caso de Lindberg. Talvez porque as canções de Theresa se possam imaginar mais coladas ou, pelo contrário, artificialmente afastadas do universo sonoro das Warpaint; seguramente porque sendo Jenny Lee a oferecer um centro à música do grupo, salivava-se por perceber como seria ocupar não apenas o centro mas também o espaço restante.

“Faço as minhas próprias canções desde que comecei a tocar”, diz Jennylee (nome adoptado para a sua cruzada solitária nos discos e nos palcos) ao Ípsilon. “E tinha algumas que queria cantar, ideias que queria explorar, coisas que queria escrever, queria expressar-me de uma forma diferente e controlar tudo. Queria ver como funcionava sem ter qualquer outra pessoa envolvida.” A verdade é que Right On!, lançado esta semana pela Rough Trade, não cava nenhum imprevisto fosso entre Jennylee e as Warpaint (Boom Boom ou He Fresh imaginam-se bem no grupo de origem), nem é um álbum que aposte num interminável rol de surpresas. Mas é certamente sedutora a forma como o baixo-dínamo de Jennylee, muito inspirado pelas suas audições de dub e transportador dessa sensação de prisão circular narcótica para um contexto rock, encontra aqui consolo em guitarras que tanto podem soar ao pós-rock soturno inglês dos anos 80 quanto a fantasmas de delírios africanos de quem só chegou a África por meio de ecrãs de televisão ou computador.

“Soube sempre qual era a minha contribuição para as Warpaint e que direcções quero tomar e como quero que as coisas soem na banda”, declara a baixista. “Fazer um álbum a solo é apenas uma extensão de mim mesma e da minha contribuição para a sonoridade das Warpaint”. Mas não é uma simples extensão. Sem desacelerar na queda para o psicadelismo, Jennylee leva talvez as suas ideias a pontos mais extremos do que as Warpaint alguma vez fizeram. “Riot” ou White Devil permitem-se um descontrolo que na banda seria mais espraiado e que, a sós, a baixista expele de forma mais rude e agressiva.

Ideias a limpo
Aproveitando uma pausa no saturado calendário de concertos das Warpaint após a edição do segundo álbum, em Janeiro de 2014, ao invés de se dedicar ao descanso ou investir numa outra actividade que lhe permitisse distanciar-se temporariamente da sua actividade principal, Jennylee desatou a gravar ideias desirmanadas de canções em que foi trabalhando ao longo de cinco meses, ao mesmo tempo que as Warpaint lançavam o single digital composto pelos inéditos No Way Out e I’ll Start Believing. Agora que a banda avança rapidamente na composição do terceiro álbum – deverá chegar em 2016 –, Jennylee volta a dividir a sua atenção, tocando ao vivo em promoção a Right On! enquanto os afazeres com o projecto principal não lhe sobrecarregam em demasia os dias. “Estou habituada a estar sempre ocupada e a estar sempre a trabalhar em música nova”, diz, como se lhe fosse impensável ficar à espera que o resto do grupo se cansasse de estar em pausa.

Foi essa vontade pouco planeada de continuar a trabalhar em canções novas que fez com que Right On! crescesse rapidamente e sem qualquer direcção definida, sem que Jennylee tivesse sequer tempo para perceber que estava a trabalhar num álbum ou para reflectir o que gostaria de concretizar. “Sempre que terminava uma canção pensava que era interessante o que tinha acabado de fazer, ficava contente por conseguir executar aquilo que ouvia na minha cabeça de uma forma de que gostava, mas era como se estivesse a operar a partir de um fluxo de consciência, quase catártico, era simplesmente algo que estava a acontecer e a que eu parecia assistir”, descreve. “E foi isso que se passou enquanto estava a fazer todo o álbum.”

As canções avolumaram-se, depois percebeu que não queria deixá-las entregues a programações rítmicas que negavam elasticidade às composições e decidiu ligar ao produtor Norm Block a pedir-lhe uns dias de estúdio para “passar as ideias a limpo”, convocando Block e a também Warpaint Stella Mozgawa (em dois temas) para tomarem conta das baterias. Aos poucos, renovando junto de Block pedidos por mais tempo e alguma ajuda adicional, foi-se dando conta que estava a montar um álbum. Deixara de ser um conjunto de demos e tinha, afinal, uma outra ambição.

A sua única certeza era então a de que, não sendo propriamente uma fã de tocar com máquinas aquilo que podia tocar com os dedos, Right On! deveria ser um álbum de guitarras, baixos, vozes e bateria. “Gosto de me apaixonar pelos ingredientes mínimos e é quando isso acontecer que sinto que tenho uma canção”, defende. “Se sinto necessidade de acrescentar mais instrumentos, nessa altura percebo que posso estar a falhar completamente a canção.” E provou aquilo que mais lhe interessava: não depende de ninguém para fazer a sua música. Agora sim, Jennylee está de novo pronta para as Warpaint.

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