Um ranking, duas histórias

Na manhã deste sábado, o telefone toca. “Bom dia, sou director do Externato AEIOU de Chaves, que é o que está em primeiro no vosso ranking, mas só diz Externato A… Pode corrigir o mais rapidamente possível?”

Bem, se está escrito assim, é porque veio desse modo nas bases de dados enviadas pelo Ministério da Educação, respondo, não na tentativa de descartar o erro para outra entidade que não o PÚBLICO, mas simplesmente porque estou a pensar em voz alta. “Sim, sim, corrigiremos logo que for possível”, continuo, para voltar a ouvir o senhor a insistir na rapidez da correcção. “Somos o primeiro de Chaves”, justifica.

É esta a importância que os rankings têm para os privados. É o momento em que têm publicidade ao trabalho que fazem durante o ano inteiro, durante anos e anos, e, no caso do AEIOU, o nome não pode estar errado. É morrer na praia.

Fui espreitar os bons resultados do primeiro de Chaves no 4.º ano – que não aparece no ranking do PÚBLICO por ter menos de 50 provas, mas está nas listas. Neste caso conquistou 3,92 valores de média (numa escala de 1 a 5) nas 24 provas que os seus alunos (12) fizeram a Português e a Matemática.

Se este director estava preocupado em corrigir o seu nome, outros há que não estão disponíveis mesmo quando as notícias são boas.

Depois de analisar os dados, passei os três últimos dias da semana a ligar para diversas escolas e agrupamentos para saber porque tinham melhorado. Este ano dediquei-me a analisar as provas do final do 1.º ciclo e decidi que não fazia sentido ouvir as que tinham descido as médias nos últimos três anos (os mesmos da existência da prova) até porque eram poucas (117) no universo total (4173).

Uma das escolas que fica mesmo lá na base da tabela pertence a um agrupamento lisboeta que, quando aparece nas notícias, não é pelas melhores razões. Durante dois dias tento falar com o coordenador do 1.º ciclo de uma das escolas. Nunca está disponível. “Está a dar aulas. Está em reunião. Ligue daqui a dez minutos. Não está. Ligue amanhã. Ainda não voltou do almoço, mais cinco minutinhos. Já saiu.” E não vale a pena deixar mensagem? “Não…”

Desisto e decido ligar para a sede do agrupamento, a direcção terá um membro responsável pelo 1.º ciclo que possa falar. Antes disso, olho para os resultados de todas as escolas do 1.º ciclo do agrupamento. Todas, à excepção de uma e por centésimas, subiram os três anos e melhoraram os resultados. A maioria começou na negativa e subiu para a positiva. As notícias só podem ser boas, penso. Sinto-me feliz com as conquistas daquele agrupamento e toca de ligar na esperança que partilhem a sua experiência, o trabalho que estão a fazer. “Do PÚBLICO? Só um bocadinho… [Já percebi tudo] Não sei se vão atender… [são muitos anos a ligar para escolas] Estão em reunião, só amanhã [estamos a meio da tarde, vão reunir até à noite? Mas eu posso ligar mais tarde]. Se quiser mande um e-mail, mas não sei se vão responder…” E não respondem.

A diferença entre as públicas e as privadas, perguntava-me esta tarde a jornalista Conceição Queiroz na TVI24. Respondi atabalhoada e rapidamente antes que o Jorge Jesus entrasse em directo para dar uns pontapés na gramática e dizer umas coisas sobre o seu adversário. Respondo agora, com mais calma.

As privadas têm os filhos das classes que olham para a educação como uma competição, como uma preparação para o terrível mundo que os espera quando forem adultos. Mas não são as únicas porque também há públicas em tudo semelhantes às primeiras que trabalham exactamente com o mesmo tipo de famílias, aquelas que se preocupam com a educação.

O problema são todas as outras públicas, a maioria, as da periferia das cidades, dos concelhos, dos distritos, do país. Essas sim, têm de trabalhar com os mais frágeis, com os que já se resignaram que não vão ser nada, nem ninguém, “para quê estudar?”. Essas sim, são as heroínas dos rankings – como a escola do Curral das Freiras, da Madeira, que já tem alunos que entraram em Medicina.

Por isso, lamento que esta manhã, mesmo depois do trabalho impresso e concluído, em vez de receber o telefonema do director de Chaves, não tenha recebido um do de Lisboa.

Sugerir correcção
Ler 7 comentários