Acordo de Paris não terá metas de redução de emissões

Nova versão preconiza esforços para que aumento da temperatura global não ultrapasse 1,5 graus Celsius

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REUTERS/Stephane Mahe

O novo tratado climático que está prestes a ser aprovado numa cimeira da ONU em Paris não terá metas quantitativas de redução de emissões de CO2, apontando apenas para a sua “neutralidade” na segunda metade deste século. O objectivo, segundo um novo texto negocial apresentado esta quinta-feira à noite, é conter o aumento da temperatura da Terra “bem abaixo dos 2oC” e “fazer esforços” para um limite mais ambicioso, de 1,5oC.

O novo texto resulta de mais de vinte horas de negociações, desde que fora apresentada uma versão anterior na quarta-feira. Muitos pontos parecem estar resolvidos, mas ainda estão por acordar aspectos centrais, como a diferenciação dos compromissos entre países pobres e ricos e o financiamento aos mais vulneráveis.

Na quarta-feira à noite, ainda estavam sobre a mesa propostas de 40-70% ou 70-95% de redução de emissões até 2050, em relação a 2010. As alternativas eram a simples menção a um objectivo de “baixas emissões globais a longo prazo”, à sua “neutralidade” ou à “descarbonização” da economia ao longo deste século.

Venceu a tese da “neutralidade”, que significa que poderá haver emissões de gases com efeito de estufa, desde que sejam compensadas, por exemplo, por florestas ou pela captura e armazenamento de CO2 no subsolo.

Não há uma data certa para se atingir este saldo neutro. A proposta, ainda por aprovar, fala que isto deve ocorrer “na segunda metade do século”. E diz também que todos os países têm de fazer esforços para atingir o pico das suas emissões “o mais rápido possível”, reconhecendo isto “levará mais tempo nos países em desenvolvimento”.

A ausência de metas numéricas foi uma moeda de troca para um novo limite de aumento de temperatura que se considera aceitável – algo que era exigido pelos países mais vulneráveis. Desde 2010 que estava acordado internacionalmente um valor máximo de 2oC acima da temperatura média pré-industrial. Mas com esse nível de aquecimento neste século, algumas ilhas do Pacífico podem ser submersas pela subida do nível do mar.

A solução de compromisso apresentada pela presidência francesa da cimeira foi aceitar desde já que o limite deve estar “bem abaixo dos 2oC”, mas fazendo tudo para evitar mais do que 1,5oC.

Restam ainda temas espinhosos para os ministros dos países representados em Paris resolverem esta sexta-feira, quando termina a cimeira. O principal é a questão da diferenciação dos esforços que cabem a cada um.

Os países ricos querem reduzir as distinções entre desenvolvidos e em desenvolvimento. Estes, por sua vez, não abrem mão desta “bifurcação” – como se diz nos corredores da cimeira – que vem da convenção climática da ONU de 1992, à qual estará vinculado o acordo de Paris. “Que fique claro: não estamos aqui a fazer emendas a convenção. A diferenciação é inegociável”, disse José António Marcondes, negociador principal da delegação brasileira, numa conferência de imprensa antes da divulgação do novo texto negocial.

A divergência sobre o que uns e outros serão obrigados a fazer está patente na questão da “transparência”. O acordo de Paris vai-se basear em planos dos diversos países, nos quais cada um declara o que vai fazer para ajudar a travar o aquecimento global. As nações ricas querem que haja um sistema robusto e aplicável a todos para verificar se as promessas estão a ser cumpridas.

Para a União Europeia, esta é um exigência central. “Se os países se comprometem com metas nacionais, que reflictam as suas capacidades e ambições, têm de estar prontos a mostrar ao mundo, e a eles próprios, que progressos estão a fazer”, disse Elina Bardram, negociadora principal da União Europeia.

“Temos de ter uma necessária flexibilidade para os países em desenvolvimento”, contrapõe José António Marcondes, da delegação brasileira.

As opções que ainda estão no texto reflectem estes diferentes pontos de vista. Numa delas, o sistema de verificação aplica-se de modo diferente a países desenvolvidos e em desenvolvimento. Noutra, vale para todos “levando em conta as diferentes capacidades” dos países.

A diferença semântica resulta da visão dos países industrializados de que já não há um mundo em desenvolvimento único. “O mundo mudou muito desde 1992. A palavra de ordem é diferenciação, e não bifurcação”, diz Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente.

O novo texto foi discutido ainda durante a noite. Para a manhã desta sexta-feira, esteve prevista a apresentação de uma versão final e a possível aprovação do novo acordo global para o problema das alterações climáticas, mas a presidência francesa prolongou as negociações por mais um dia.

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