Em cima da via-férrea de Espinho, surgirá uma pala e o chão lembrará uma rede de pesca
Projecto de 2008 vai sair do papel com praças, posto de turismo, zonas verdes, palmeiras. Comerciantes podem apresentar ideias para ocupar esse espaço maleável.
A linha férrea que dividia Espinho a meio foi enterrada e os comboios deixaram de passar à superfície em Maio de 2008. A câmara, então liderada pelo socialista José Mota, riscava da lista um objectivo e concluía a obra que custou mais de 60 milhões de euros. O túnel ferroviário de quase mil metros foi então inaugurado, a velha estação veio abaixo, os passageiros passaram a entrar numa nova estrutura construída mais a sul, o cenário da constante passagem de comboios desaparecia do mapa. E o espaço à superfície ficou entregue à sua sorte. Após o rebaixamento da linha, parecia um estaleiro de obras repleto de taipais, depois o chão foi asfaltado para que a zona fosse aproveitada para diversas iniciativas, como concertos e feiras do livro.
Os planos para dar outro visual a essa área à superfície ficaram em banho-maria durante sete anos. Até agora. O projecto que venceu o concurso internacional de ideias em 2008 vai sair da gaveta. A câmara aprovou o estudo prévio de requalificação da zona, entretanto baptizada de Alameda 8, a apresentação pública do projecto acontece ainda este mês, o concurso será lançado no início do próximo ano e a empreitada arranca em meados de 2016. O investimento total ronda os 8,25 milhões de euros, 15% dos quais assegurados pela autarquia, e a intervenção estará cerca de ano e meio em execução num terreno com cerca de 170 mil metros quadrados.
O projecto, assinado pelo arquitecto espinhense Rui Lacerda e pelo arquitecto espanhol Francisco Mangado, não esquece elementos importantes da geografia e história de Espinho, cidade com vista para o mar. O novo espaço surge como uma zona central verde, como uma ante-sala do mar, e que dialoga com a praia e com oceano. As palmeiras, familiares naquela paisagem, são uma das espécies escolhidas para esse imenso verde e a malha do pavimento inspira-se nas redes dos pescadores. O espaço evocará diversas personalidades nascidas ou com fortes ligações a Espinho – como Manuel Laranjeira, Amadeo de Souza-Cardoso, Ramalho Ortigão, Pablo Casais, Soeiro Pereira Gomes, Fausto Neves, entre outros – com momentos alegóricos e alusivos. E tem praças: a Praça do Casino que poderá funcionar como entrada principal à sala de jogos e espectáculos, a Praça Progresso que terá um edifício fora do vulgar, a Praça Nossa Senhora da Ajuda, padroeira da cidade, que será um espaço de encontros com um coreto.
A norte da estação de comboios surge um posto de turismo com espaço para exposições e uma cafetaria. A sul aparece uma grande pala, ou seja, um edifício com paredes suspensas que não tocam no chão - o apoio é feito em zonas específicas -, com aberturas para permitir a entrada por qualquer lado, com cerca de 60 metros de comprimento e 40 de largura, que ocupará um quarteirão. Esta estrutura, que previsivelmente será revestida a azulejos, está desenhada para permitir todos os usos que se quiser, desde feiras, mercados sazonais, espectáculos, concertos, conferências, congressos, jogos de futebol.
Em toda a extensa área, serão colocados objectos urbanos, como bancos, candeeiros, papeleiras, estacionamento para bicicletas, telefones públicos, painéis de informação. A intervenção prevê ainda a construção de um parque de estacionamento subterrâneo, entre as ruas 19 e 37, com capacidade para 400 automóveis, e ainda uma zona verde perene que tape o muro erguido a sul de Espinho, em sequência do enterramento da linha de comboios.
Espaço maleável, novas ocupações
O arquitecto Rui Lacerda, um dos autores do projecto, conhece bem a cidade. É natural de Espinho e vê na intervenção um desafio à comunidade ao não fechar portas a propostas que possam interagir com o espaço público, nomeadamente apresentadas por comerciantes de vários sectores de actividade. “Para que o espaço público seja usado com propostas de quem está às ilhargas. Para que não se caia no comércio retrógrado e conservador. Se o particular não investe, o colectivo não vive”, diz. Pretende-se uma forma diferente de estar na cidade, num “espaço público vivo” que quer evitar que cada um viva no seu casulo. “A cidade está a dar uma oportunidade única de darem um passo em frente”. O novo espaço é, portanto, maleável ao permitir uma ocupação adaptada a diversas realidades. Devolve-se aquele terreno ao usufruto público e espera-se que a comunidade responda com ideias de uso e ocupação que terão de respeitar critérios e serão analisadas.
O verde será contínuo, cosendo-se o nascente com o poente, e incluem-se percursos e formas de estar “bucólicos”. Esse verde é, portanto, um instrumento de unidade e de controlo de escala. E as palmeiras estão de volta, mas não numa lógica de regresso ao passado. “A memória é importante, mas tem de ser selectiva. O passado não volta mais, mas há signos do passado que podem ser referências de hoje para sustentar o futuro. Daí buscarmos a imagem do que foi o ex-picadeiro, não o querendo fazer. São signos de uma memória, mas não de volta do passado ao presente”, explica o arquitecto.
Rui Lacerda garante que não há alterações ao projecto que apresentou em 2008. “Os conceitos básicos são os mesmos do estudo prévio. É preciso inteligência para perceber o que é a evolução de um projecto de arquitectura no tempo e nas características”. O arquitecto fala em adaptações e não num novo projecto, até porque não houve concurso posterior a 2008. “Quem entendeu isto de forma diferente, entendeu mal, contra o interesse de um colectivo em detrimento do interesse clubístico. Há que ser inteligente e depurador das ideias em benefício de uma comunidade”, comenta.
O presidente da Câmara de Espinho, Pinto Moreira, está satisfeito com o desenrolar do processo e recorda que a intervenção que a autarquia fez em 2010, alcatroando a zona à superfície, era “temporária, minimalista, que se destinava apenas a limpar o espaço”. O cenário ficará diferente e o autarca não tem dúvidas de que será “um local lindíssimo e ao gosto dos espinhenses, um local de encontro para todos, para os espinhenses e para quem nos visita”. “Será restaurada a dignidade deste espaço nobre, que fica no coração da cidade”, sublinha.
A câmara quer que o projecto seja segmentado em termos orçamentais e alvo de candidaturas que contemplem ainda uma zona de paragem de autocarros junto à estação de comboios, uma ciclovia de ligação ao concelho vizinho de Vila Nova de Gaia, percursos pedonais, e áreas de paragem curta para permitir a transição de transportes.