Empurrar o défice com a barriga

O final do ano é tempo de fazer contas. E, na política, a matemática não é uma ciência exacta.

Quando há mudança de ciclo político e um novo Governo entra em funções, a tentação é fazer aquilo que nas empresas se chama limpeza de balanço, ou seja, a contabilização de tudo o que seja má notícia no ano que está a terminar, de forma a começar o novo ano com o contador das contas públicas a zeros. Isto permite a quem chega fazer um brilharete e ganhar folga orçamental para o ano seguinte, e quem sai faz má figura e fica com o ónus da derrapagem das contas. Isto faz-se, por exemplo, autorizando no final do ano todo o tipo de despesas ou antecipando pagamentos.

Ainda esta semana, numa entrevista ao DN, Eduardo Catroga alertava para esta possibilidade: “É este Governo que vai fechar o exercício em curso […] e terá a tentação de fechar com um défice um bocadinho superior àquilo que seria possível, para depois demonstrar que está no caminho da redução”. Terá sido esta suspeita que levou Maria Luís Albuquerque a dizer que seria “criminoso” se a meta dos 3% para o défice não fosse cumprida.

Esta tradição de tentar empurrar o défice com a barriga de um ano para outro não é de hoje. Ainda todos se lembrarão que, quando Durão Barroso chegou a primeiro-ministro, pediu à primeira Comissão Constâncio que quantificasse o buraco deixado pelo PS. E que, nos primórdios do primeiro Governo de José Sócrates, a segunda Comissão Constâncio também detectou um défice superior ao anunciado na anterior governação. E, já agora, importa não esquecer o desvio colossal que Pedro Passos Coelho disse ter encontrado quando o PSD ganhou as eleições.

O tema entrou esta semana para o debate, depois de a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) ter alertado para o facto de o anterior Governo já ter gasto grande parte da almofada orçamental (que permite acomodar desvios e imprevistos) prevista para este ano. E, com um caminho tão estreito para conseguir cumprir a meta dos 3%, o PS já veio dizer que ninguém o pode responsabilizar pelos primeiros 11 meses do ano; e o PSD avisa que nada tem a ver com último mês do ano.

A mensagem que vem do Largo do Rato é reconfortante. António Costa já disse que “este Governo, nos próximos 29 dias, tudo fará para nem diminuir receita nem aumentar despesa”. Ao contrário do que aconteceu no passado com Barroso, Sócrates ou Passos, neste ano, o cumprir escrupulosamente a meta do défice é um objectivo que convirá politicamente à direita e economicamente à esquerda: Passos pode reclamar o troféu de ter sido o primeiro na era euro a conseguir colocar o défice português abaixo de 3%; e Costa vê Portugal abandonar o Procedimento dos Défices Excessivos, beneficiando da flexibilidade prevista no Pacto Fiscal e podendo ter assim uma governação com políticas económicas menos severas e mais amigas do crescimento. E ganha um capital adicional de credibilidade.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários