Com mais dois graus, que Terra nos espera em 2100?

Mais seca, chuva mais concentrada. Menos gelo, o nível médio do mar mais alto. Em 2100 haverá mais pessoas deslocadas e as espécies exóticas poderão colonizar novas regiões. Há muitas perguntas sobre o futuro das alterações climáticas, em discussão em Paris. Mas os seus efeitos já se sentem hoje

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PAULINE ASKIN/Reuters

Se o fim do século vai ser mais quente por causa das alterações climáticas, então 2015 está a marcar o tom do futuro. A temperatura média à superfície da Terra arrisca-se a atingir um grau Celsius acima da média pré-industrial, divulgou a Organização Meteorológica Mundial em Novembro. Se isso acontecer, este ano bate-se o recorde de temperaturas, e de uma forma simbólica. Um grau é metade do limite de dois graus que a Terra pode aquecer até 2100, definido por cientistas do clima e por políticos. A partir deste valor, os cenários climáticos prevêem um futuro mais assustador.

Isto não quer dizer que 2016 ou 2017 irão ser tão quentes como 2015. Há uma variabilidade natural de ano para ano. Mas o potencial recorde de temperaturas faz parte de uma tendência ligada às emissões humanas de gases com efeito de estufa, como o dióxido de carbono (CO2), o metano e o dióxido de azoto.

Como é que estes gases influenciam o termómetro global? A resposta começa nos raios solares que aquecem a superfície da Terra. Parte deste calor volta para a atmosfera em raios infravermelhos. Os gases com efeito de estufa retêm este calor e aquecem o ar. Quanto maior for a sua concentração, mais calor é retido.

O CO2, por ser injectado em grandes quantidades com a queima dos combustíveis fósseis, acaba por ser o gás mais importante nesta equação. Desde a revolução industrial, a sua concentração na atmosfera passou de 280 partes por milhão (ppm) para 400 ppm. E a temperatura tem subido.

Um dos efeitos mais significativos é no ciclo da água. Com mais calor, a evaporação dos oceanos torna-se mais rápida, a acumulação na atmosfera é maior e a precipitação mais concentrada. No Norte da Europa, espera-se por isso mais chuva até ao final do século, mas o Mediterrâneo vai tornar-se mais quente e seco. As secas vividas na Península Ibérica em 2005 e 2012 já só podem ser explicados neste contexto.

“Só conseguimos obter nos modelos climáticos esta frequência de grandes secas quando inserimos os gases com efeito de estufa”, diz ao PÚBLICO o investigador Ricardo Trigo, climatologista do Instituto Dom Luiz, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). “Se só pusermos a variabilidade natural, não conseguimos reproduzir esta frequência.”

Por volta de 2100, se tivermos em conta apenas um aumento de dois graus Celsius, um ano típico em Portugal terá a chuva mais concentrada no Inverno e uma Primavera e um Outono mais secos. Este padrão é uma incubadora de ondas de calor mais fortes. “É uma situação atmosférica favorável para que ondas de calor que antes duravam uma semana, com uma temperatura de 37 graus, passem a durar duas semanas e atinjam os 40 graus”, avisa Ricardo Trigo. Se a chuva acabar mais cedo na Primavera, em Maio e Junho os solos já estão completamente secos. Quando chega uma onda de calor, “a energia solar não é usada para evaporar a humidade do solo, por isso o solo aquece e começa a aquecer a atmosfera”.

Décadas decisivas

O Mediterrâneo é uma pequena peça no complexo puzzle das alterações climáticas, que têm implicações no aquecimento e acidificação dos oceanos, no degelo dos pólos, na subida do nível médio do mar, no derretimento do permafrost, na alteração da vegetação, na migração e extinção de espécies e no agravamento das condições de vida de muitas populações humanas. Todos estes fenómenos serão mais ou menos graves dependendo da evolução das emissões de gases.

Em 1996, com base na informação divulgada pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês), das Nações Unidas, o conselho de ministros do Ambiente da União Europeia pôs os dois graus na agenda política. “O conselho acredita que a temperatura média global não deve exceder os dois graus acima do nível pré-industrial”, lê-se nas conclusões daquela reunião. “As concentrações de todos os gases com efeito de estufa devem ser estabilizadas”, acrescenta-se.

“Os dois graus Celsius talvez permitissem evitar os pontos de não retorno. Acima deste patamar, a irreversibilidade [de vários fenómenos] torna-se mais plausível”, explica Tiago Capela Lourenço, investigador da FCUL. Alguns exemplos de pontos de não retorno são a perturbação das monções, o derretimento dos glaciares e à morte da floresta amazónica.

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