Carta à ministra da Justiça

Minha querida amiga,

Quando soube que era ministra, disse para mim que lhe escreveria uma carta à moda antiga. Tipo anos oitenta. À mão, papel timbrado, caneta permanente de tinta preta. Assim é que era. Uma ministra não pode, nem deve, receber cartas escritas a computador.

Factores vários me obstacularam.

Os CTT, um “enorme êxito” de privatização, já não distribuem as nossas cartas a tempo. São ronceiros. Cobram impostos. Negoceiam produtos financeiros. Vendem literatura de qualidade duvidosa.

A tinta preta secara na caneta permanente. Falta de uso. Papel só em formato A4. A mão só escrevinha garatujas que logo não decifro. Uma carta é para se ler. Ser lido por uma ministra transmite outra sensação. Outro conforto. Há uma ministra a quem escrevo que me lê!!!

Aqui estou, vergado e vencido pelo peso do computador. Na primeira linha para lhe agradecer a imensa e inestimável solidariedade profissional que me dispensou ao longo de muitos anos. Sobretudo aquele afecto que, desde sempre, senti que me dedicava.

Revejo a paciência com que me aturava as palermices, os exageros e mesmo exuberâncias. Me aceitou com todas essas desvirtudes que me caracterizam. E estou-lhe muito grato. Tenho vaidade em dizer que “somos muito amigos”. Digo-o com todo o à vontade. Já não estou em tempo de lugares ou cargos. Como diria Rodrigo Leão, não  posso “atrasar o meu tempo”.

Não lhe escrevo bem por ser ministra. Aproveito a circunstância. Mas não minimizo o alto cargo no Estado de Direito. Nem as inúmeras competências que exige. E a minha amiga possui. O que me chama hoje é o seu afecto, generosidade e carinho que a todos distribui. Características marcantes de um líder. João Van Dunen, vagueando pelas “estrelas da noite”, sorri um sorriso de anuência. Fala com voz afável e doce que também tem.

A verdade é que é ministra. E da Justiça. Cargo de imensa relevância no Estado Democrático. Poderá fazer muita coisa. Se a deixarem.

Há tanta coisa a fazer aí! Penso sobretudo nos direitos humanos. Não me ocorre, nem o faria, qualquer empenho ou encomenda. Manifesto-lhe só grandes preocupações naquele domínio. Os direitos dos mais fracos. O sistema prisional com um ordenamento extremamente humanista e que honra o país. Sem controlo, todavia, para aquém das paredes do cárcere. A necessidade urgente de apertar as causas e razões da prisão preventiva. Instituto processual penal que a Constituição da República impõe excepcional e a prática demonstra não ser respeitada com rigor. A formação dos magistrados exige alterações de monta no Centro de Estudos Judiciários. A Constituição, os direitos individuais. A cidadania, em resumo. Os seus estatutos orgânicos a adequar urgentemente à nova organização judiciária.

Não mais adiciono. Tanto mais que não sou uma espécie de pequeno oráculo a dar lições. Muito menos a uma ministra. E da Justiça.

Uma carta “à moda antiga” finda com saudações. Que aqui deixo. É uma honra integrar um Governo legítimo e democrático. Nem a todos é dada essa honra: “uns são chamados, outros escolhidos”. Legitimamente, o país e a Justiça esperam por si.

Alberto Pinto Nogueira. procurador-geral adjunto

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