De 21 países da OCDE, portugueses são os que vão mais às urgências

São quase 70 atendimentos por 100 habitantes, bem acima do segundo da lista, Espanha, e longe de países como a Suíça, a Holanda e a Alemanha. Os dados surgem num documento de trabalho da OCDE recentemente divulgado.

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As visitas à urgência diminuíram em 2012 e 2013 mas voltaram a aumentar no ano passado Paulo Pimenta

A procura dos serviços de urgência dos hospitais continua a aumentar, apesar das estratégias delineadas em vários países para a conter. Portugal, onde os números se têm mantido praticamente inalterados desde 2001, é o país com mais atendimentos nos serviços de urgência per capita num conjunto de 21 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). São quase 70 admissões na urgência por 100 habitantes, bem acima do segundo da lista, Espanha, e a léguas de países como a Suíça, a Holanda e a Alemanha. Os dados abrangem mais de uma década (2001 a 2011) e surgem num documento de trabalho da OCDE recentemente divulgado.

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Estes números mantêm-se actuais porque a procura dos serviços de urgência em Portugal não mudou entre 2011 e 2014, mesmo com o substancial aumento das taxas moderadoras entretanto verificado. Em 2012 e 2013 diminuiu, de facto, mas no ano passado aumentou de novo, de acordo com os últimos dados do Ministério da Saúde.

Voltando ao trabalho da OCDE, que é assinado por Caroline Berchet, do Departamento do Emprego e Assuntos Sociais da organização, no conjunto dos 21 países que dispõem de dados para este período, Portugal, Espanha, Chile, Canadá, Grécia e Estados Unidos estão todos acima da média (que é de 31 atendimentos por 100 habitantes). Do lado oposto perfilam-se a República Checa, a Alemanha, a Nova Zelândia, a Holanda, a Polónia e a Suíça, todos com menos de 20 visitas por 100 habitantes.

Ao longo de uma década, o número de episódios de urgência nestes 21 países cresceu em média 2,4%. Mas as diferenças entre países são substanciais: enquanto em alguns (como a Irlanda, o Chile e a República Checa) a procura diminuiu, noutros (Alemanha, Bélgica e Inglaterra) aumentou substancialmente. Em Portugal, a procura estabilizou (mais 0,3% ao longo destes anos). Mesmo assim, continua no topo da lista e é uma “excepção” no que toca ao motivo principal de ida à urgência (80% dos atendimentos são genericamente devidos a “doença”), sublinha  a autora do trabalho. Em sete países, os acidentes e ferimentos daí decorrentes são quase sempre a principal razão para a ida às urgências.

Admissões “inadequadas”
Motivo de particular preocupação é o facto de em vários países uma percentagem considerável das admissões serem consideradas “não urgentes” ou “inadequadas”. É o que acontece em Portugal, Austrália, Canadá, França, Itália, Inglaterra e Estados Unidos. 

O que têm feito os países para diminuir a procura inadequada? No documento, são avançados exemplos, como no Reino Unido onde em 2000 foram criados centros walk-in (onde os doentes são rapidamente atendidos sem marcação prévia) e unidades para dar resposta a ferimentos ligeiros e patologias pouco graves. Estas unidades podem estar localizadas fora ou dentro dos hospitais. Na Irlanda apostou-se em centros de cuidados na comunidade especialmente direccionados para doentes com mais de 70 anos e a Noruega está a investir na utilização da telemedicina para a auto-gestão das doenças crónicas.

Sem surpresa, percebe-se também que os países com mais alternativas de atendimento após os horários de trabalho, e com oferta de cuidados de saúde primários (centros de saúde) sem listas de espera, são menos propensos a ter um elevado volume de atendimentos nas urgências hospitalares, como é o caso da Alemanha, da Holanda e da Nova Zelândia. Já a cobrança de taxas moderadoras ou os co-pagamentos nos serviços de urgência não tiveram grande impacto no volume de atendimentos na maior parte dos paíffoses que adoptaram esta medida, sustenta a autora, dando os exemplos da Bélgica, de Itália e de Portugal.

Outra estratégia tem passado pela introdução de sistemas fast-track (salas de atendimento rápido) para redireccionar os doentes não urgentes para fora da urgência. Em França, este tipo de “circuitos” existe em cerca de um terço dos serviços, lê-se no documento.
A generalização do modelo de fast-track para os doentes menos graves (que já é seguido em vários hospitais portugueses) foi proposta há um ano pelo presidente do Conselho para a Qualidade na Saúde, Luís Campos, no Roteiro de Intervenção em Cuidados de Emergência e Urgência. Desde 1994 isto já é feito num local adjacente à urgência no Hospital São Francisco Xavier (Lisboa), lembra.

Para António Martins Baptista, da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, a situação em Portugal decorre “da estupidez sucessiva de vários Governos”, que continuaram “a investir loucamente nos serviços de urgência”, enquanto limitam as consultas e os atendimentos em hospital de dia. “As urgências são sempre pagas, as consultas têm limites. A solução é tirar as pessoas das urgências”, preconiza, notando que isto não significa não dar resposta aos doentes. “As pessoas não têm culpa. Os doentes têm que ter portas abertas, alternativas” quando, por exemplo, têm uma unha encravada ou uma infecção urinária.

Cuidados no domicílio
Em Espanha, exemplifica, têm vindo a ser dados vários passos para aliviar as urgências, com a “hospitalização” domiciliária (grupos de médicos e enfermeiros que vão a casa dos doentes) e centros de diagnóstico rápido, com capacidade para fazer análises e exames como TAC. Por cá, “a situação piorou desde que fecharam os SAP” (Serviços de Atendimento Permanente) nos centros de saúde, lamenta Martins Baptista.

Mas Luís Campos, que fez parte da comissão de especialistas que recomendou o encerramento dos SAP, não concorda. O fecho dos SAP foi “uma das medidas mais sensatas e adequadas” porque estes serviços não tinham capacidade de responder enquanto urgências e consumiam muitas horas dos médicos, argumenta. “

A verdadeira questão está na insuficiência da capacidade de resposta dos centros de saúde”, na “ausência de horários de atendimento mais prolongados e na falta de acesso a consultas não programadas para doentes agudos não urgentes”, afirma Luís Campos, que considera “intolerável” a “existência de centros de saúde a duas velocidades: os que foram  abrangidos pela reforma dos cuidados de saúde primários (as USFs) e os que não foram”.

 

 

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