Em "tempo de reunião" o palácio encheu-se de gente normal

Houve juramentos lidos em braille e cães-guia na Ajuda, no dia em que o Bloco e o PCP quebraram a tradição de faltar à cerimónia de posse do Governo.

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Daniel Rocha
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Às 15h20, Tiago Brandão Rodrigues chega a pé às arcadas do Palácio da Ajuda - a "real barraca" que D. José mandou construir por temer a solidez dos edifícios de "pedra e cal". Daqui a poucos minutos, o caminhante vai ser ministro da Educação. Fernando Leal da Costa chega de carro oficial. Está quase a deixar de ser ministro da Saúde.

Como piada, pode dizer-se que este é o dia mais feliz da vida política de ambos. É o que une os que chegam e aqueles que vão. Mas não será, imagina-se, exactamente assim. 

Há, até, um momento em que, na Sala dos Embaixadores do palácio, que tem na cúpula um céu azul pintado com umas nuvens brancas auspiciosas, se juntam todos num grande Governo que junta o passado e o futuro. A planta da sala é elíptica. O chão tem mosaicos pretos e brancos, como muitos dos discursos políticos dos últimos tempos. Costa haveria de dizer que este "é o tempo da reunião". Mas só depois de se cumprir o protocolo.

É então que cabe ao secretário-geral da Presidência, Arnaldo Pereira Coutinho, estabelecer a ordem do tempo. Anunciado o decreto presidencial nº 129 B, às 16h02, António Costa faz o juramento: "Eu, abaixo-assinado, afirmo solenemente por minha honra que cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas."

É neste momento que, à sua frente, sentado numa cadeira desdobrável acrílica, no segundo lugar da primeira fila, Pedro Passos Coelho deixa de ser primeiro-ministro. Costa dirigiu-lhe "uma cordial saudação democrática": "As nossas divergências políticas, naturais e até salutares em democracia, que são bem conhecidas, não me impedem de prestar aqui público reconhecimento à dedicação e esforço empenhados". Tudo, esclareceu Costa, "em prol da sua convicção do interesse nacional". 

Depois, um a um, os nomeados pelo decreto 129º C, levantam-se das cadeiras brancas de madeira, colocadas do lado direito da sala, e fazem o mesmo juramento. Muitos usam a caneta Parker cinzenta que está entre os dois tomos do Livro de Posse - num assina-se o juramento, no outro a acta da tomada de posse.

Os ministros são chamados pela ordem que dita a orgânica do Executivo. Desta vez, não há ministros de Estado. E Mário Centeno, das Finanças, vem depois de Santos Silva (Negócios Estrangeiros) e Maria Manuel Leitão Marques (Presidência e Modernização Administrativa), que assina com uma caneta Carran D'Ache rosa. 

A cena é repetitiva, mas rápida. João Soares acena com a cabeça a Cavaco Silva, ligeiramente, no final da sua posse. 

"E tendo prestado o compromisso de honra", continua o secretário-geral da Presidência, é a vez de Cavaco Silva assinar. Fá-lo às 16h15. É então que quase toda a gente que se senta nas cadeiras colocadas do lado esquerdo da sala - Paulo Portas, Pedro Mota Soares, Maria Luís Albuquerque, entre outros -, deixam de ser ministros. 

No lado direito da sala, nas mesmas cadeira desdobráveis, estão quase todos os secretários de Estado que se preparam para tomar posse. Faltou um, Jorge Oliveira, que vai tutelar a Internacionalização e, nem de propósito, estava na Tailândia em trabalho e perdeu esta rara posse colectiva. 

Calhou que o primeiro e o último dos secretários de Estado a tomar posse fossem ex-líderes da JS. Pedro Nuno Santos (Assuntos Parlamentares) foi o primeiro, o último foi José Apolinário (Pescas).  Pelo meio, várias estreias. Como a de Ana Sofia Antunes (Inclusão das pessoas com deficiênca), que leu uma folha impressa pelos serviços da Presidência em braille com o seu juramento. Arnaldo Pereira Coutinho guiou-lhe a mão até à linha da assinatura. 

Este foi o momento, também, em que Cavaco Silva aliviou a cara séria que manteve, durante a cerimónia protocolar, só esboçando sorrisos no fim, quando cumprimentou os presentes.

O Presidente começou a falar à hora marcada pelo protocolo de Estado: 16h45. Quatro páginas de discurso. Três parágrafos de política pura guardados para o fim, entre a promessa de "lealdade institucional" a António Costa e o desejo de "maiores sucessos nas exigentes funções" para os membros deste XXI Governo Constitucional.

António Costa, já primeiro-ministro, trouxe 16 páginas escritas. "Não é de crispação que Portugal carece, mas sim de serenidade", pediu, antes de garantir que este é "um projecto entusiamante". Nada menos do que um "tempo novo", pressagiou o novo chefe do Governo.

Houve palmas nas salas contíguas, onde os convidados assistiram, através de um circuito interno de televisão. Os familiares dos antigos e novos governantes, os convidados não-institucionais, todos ouviram Costa fazer um dos seus melhores discursos. Ou pelo menos um que demonstra a importância das palavras e não apenas a enumeração dos actos.

A cerimónia encheu-se de gente normal. Casais de braço dado, trajes informais, cidadãos que levaram os seus cães-guia para o piso superior do Palácio onde D. José ficou o resto dos seus dias, assustado pelo terramoto de 1755.

Cercados por três grandes aglomerações de câmaras de televisão, lá foram saindo, depois de uma longa, e calorosa, sessão de cumprimentos.

António Costa abraçou, beijou, apertou mãos. João Oliveira foi um dos primeiros a cumprimentá-lo. O líder parlamentar do PCP estava ali também a fazer história. Há 40 anos que não havia nenhum dirigente comunista numa tomada de posse de um Governo. "Desde meados dos anos 70", esclareceu ao PÚBLICO fonte do partido. Provavelmente, desde que o Vº Governo provisório, de Vasco Gonçalves, jurou solenemente cumprir as suas efémeras funções.

A razão para ter sido o líder parlamentar, e não Jerónimo de Sousa, o secretário-geral, a comparecer na Ajuda encontra-se no institucionalismo do PCP. O acordo assinado com o PS é de incidência parlamentar, logo é nesse plano que a representação se faz.

O Bloco levou três dirigentes, todos deputados, mas não só... Além do líder parlamentar, Pedro Flipe Soares, a líder Catarina Martins deu a Cavaco Silva um sinal claro da "solidez" do entendimento, de que o Presidente duvida. Foi a primeira vez que o Bloco se fez representar numa cerimónia destas. 

Os novos ministros, depois dos cumprimentos, já puderam sair da Ajuda num carro oficial. Nem todos o usaram (alguns, como Francisca Van Dunen, ministra da Justiça, tiveram de o fazer, por razões de segurança). Os antigos ministros puderam prescindir da frota do Estado. António Costa escolheu viajar num símbolo do passado: um carro eléctrico, azul, com matrícula de 2011. Tiago Brandão Rodrigues voltou a pé, pelo mesmo caminho que o trouxe aqui.

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