Liberdade "condicionada"

A Liberdade Condicional está muitas vezes condicionada também a um sistema desatento, a um trabalho ligeiro e a decisões pouco esclarecidas

Pese embora o instituto da Liberdade Condicional (LC), tal como vem desenhado na lei, faça teoricamente todo o sentido, na prática revela-se um absoluto fracasso. De facto, a sua concepção pressupõe que haja um efectivo acompanhamento dos reclusos para a avaliação da sua eventual concessão. Acontece que na maioria dos casos tal não ocorre.

A LC consiste na colocação em liberdade de um condenado a pena de prisão em momento anterior ao termo da pena. A lei impõe que esta avaliação seja levada a cabo pelos juízes do tribunal de execução de penas em três momentos distintos: atingida a metade da pena, os dois terços e os cinco sextos.

Para que o recluso possa beneficiar da LC atingida a metade da pena, necessário se torna que seja “fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” e também que “a libertação se revelar compatível com a ordem e paz social”. A malha alarga atingidos os dois terços da pena, caso em que bastará apenas o preenchimento do primeiro conjunto de pressupostos. Têm por isso aqueles juízes a tarefa de fazer esta avaliação no tocante a cada recluso que atinja aqueles dois momentos da pena. Até aqui tudo bem.

O problema é que os juízes nunca viram os reclusos nem tão-pouco acompanham o seu percurso prisional e apesar de terem acesso aos factos constantes da sentença que os condenou, a verdade é que não têm forma, só com esses elementos, de aquilatar a sua personalidade e a evolução desta na prisão. Estabeleceu então o legislador que para a avaliação da LC, os juízes devem-se socorrer dos relatórios elaborados pelos técnicos da DGSP e DGRS sobre cada recluso e dos quais deverão constar, nomeadamente, a apreciação da evolução da sua personalidade durante a pena, da sua conduta prisional e da relação com o crime cometido.

Ora, tudo estaria ainda menos mal se esses técnicos conhecessem os reclusos, os acompanhassem periodicamente no estabelecimento prisional de modo a poderem emitir um parecer esclarecido e bem assim elucidarem o juiz para a sua tomada de decisão. A realidade é que, na maioria dos casos, os relatórios dos técnicos são elaborados com base nos escassos minutos em que estes permitem sentar-se à frente do recluso, marcando então as suas “cruzinhas” no papel e emitindo, quanto a cada avaliando, o seu parecer final relativo à LC.

Será naturalmente para eles tarefa fácil emitir parecer negativo se o recluso não se mostrar arrependido do crime que cometeu ou não assumir que o praticou, o que nos parece aliás compreensível, sendo legítimo pensar-se que se alguém não admite um erro, o mais provável é que o volte a repetir. Todavia, não raras são as vezes em que os condenados se arrependem verdadeiramente depois de reflectirem sobre a sua conduta durante o período de cárcere. Mas para que se compreenda o grau de interiorização do seu comportamento ilícito é necessário um trabalho sério e um acompanhamento constante de cada um, o que nem sempre sucede, quer pelo número insuficiente de técnicos nos estabelecimentos prisionais (com lotação mais que esgotada), quer por encararem estes processos com demasiada ligeireza.

Reunidos aqueles relatórios, é marcado o “conselho técnico” no estabelecimento prisional, no âmbito do qual, na ausência do recluso e do seu defensor, o juiz, o ministério público e os serviços consultados trocam umas breves impressões sobre a possibilidade de se colocar em LC uma enorme quantidade de reclusos. Segue-se a sua “audição” pelo juiz, ocasião em que, na maioria dos casos, este não lhe coloca mais que três simples questões – se aceita a LC caso lhe seja concedida, para onde irá residir e que ocupação irá ter. Ou seja, na primeira e única oportunidade em que, quem toma a decisão final, está finalmente perante o recluso, já nenhum interesse tem em ouvi-lo, claro está, porque o processo tem já naquele momento todos os elementos necessários para a sua tomada de decisão.

A verdade é que, com excepção dos casos em que a postura ou a personalidade dos reclusos resulta patente, seja pelo seu percurso prisional atribulado, seja pelo arrependimento que não mostraram ao longo do mesmo, muitos deles chegam ao termo da sua pena sem que nenhum dos consultados saiba verdadeiramente o que lhes vai na alma. E o juiz, aquele que foi decidindo negar-lhe a LC, limitou-se muitas vezes a confiar nas “cruzinhas” que os técnicos foram pondo nos seus relatórios.

No fundo, a LC está muitas vezes condicionada também a um sistema desatento, a um trabalho ligeiro e a decisões pouco esclarecidas. E o tempo, esse, corre sempre a desfavor do recluso.

Advogado, Associado Sénior de PLMJ

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