Instabilidade na frente europeia

O novo primeiro-ministro pode dizer que o PS é o partido mais europeísta do país, o que é verdade. Terá de o provar em circunstâncias muito difíceis.

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O desafio europeu mais imediato do novo Governo é provar que, na Zona Euro, não há um modelo único para alcançar as metas do défice e da dívida e para melhorar a competitividade da economia. Não será fácil. A política de Berlim para reformar a união monetária e a lógica “financeira” que domina o Eurogrupo têm-se revelado muito pouco receptivas a encarar outra forma de chegar ao mesmo sítio (vide Atenas), exigindo do novo Governo um esforço negocial certamente muito maior do que aquele que António Costa teve de fazer com o PCP e o BE, para os convencer que chegara o momento de deixarem o seu cómodo ostracismo. Esta é a prioridade número um, que vai ser posta à prova já com a apresentação do próximo Orçamento em Bruxelas. Com uma ligeira vantagem: Angela Merkel empenhou-se a fundo em manter a Grécia no euro, garantindo a integridade da união monetária, contra a vontade do seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble e até de muitos governos europeus, incluindo o português (como hoje já se sabe). O BCE continuará a garantir a estabilidade das taxas de juro.

A chanceler alemã tomou consciência de que os desafios europeus não se limitam às contas públicas. As prioridades da agenda europeia estão hoje sob forte tensão, na sequência dos atentados terroristas de Paris. Há questões de segurança e defesa que não podem ser evitadas. Estará em breve em cima da mesa a fase final das negociações do TTIP (Parceria Transatlântica para o Investimento e o Comércio) que a Alemanha quer e que será uma opção estratégica com enormes consequências para a Europa mas que vai esbarrar com velhas tendências proteccionistas mais frequentes à esquerda. Ou seja, o novo Governo terá pela frente uma série de decisões e de negociações de enorme complexidade, muito para além do cumprimento do Tratado Orçamental. Se acrescentarmos as fracas perspectivas para o crescimento da economia europeia e mundial, o quadro europeu será muito exigente, mesmo que ainda não completamente clarificado.

Falhou o novo ministério
Do ponto de vista da política europeia, António Costa teve, aparentemente, de encaixar uma derrota. Queria um Ministério para os Assuntos Europeus, que fizesse a ponte entre a economia e as finanças, juntando a gestão dos fundos estruturais até 2020. Só uma figura muito forte e prestigiada poderia ocupar este lugar. A aparente recusa de Elisa Ferreira, eurodeputada do PS, tê-lo-á obrigado a mudar de ideias. Essa autonomização faria sentido porque a política europeia já não é política externa, mas política interna, facilitando a articulação com o gabinete do primeiro-ministro, onde cabem hoje as decisões fundamentais sobre a Europa. O Tratado institucionalizou o Conselho Europeu como o órgão de orientação política e de decisão máximo da União. A crise acentuou ainda mais esta tendência, mas veio dar também uma importância excepcional aos ministros das Finanças, a quem cabe (com a Comissão) a gestão do euro nas suas vertentes orçamentais e económicas.

Nada disto quer dizer que o MNE seja hoje um ministério esvaziado. Cabe-lhe orientar quotidianamente a diplomacia portuguesa no quadro da diplomacia europeia e da política comum de segurança e defesa. Participa no Conselho de Ministros das Relações Externas, presidido por Federica Mogherini, a chefe da diplomacia europeia, que prepara as decisões dos líderes. A NATO é outra frente importante (cada vez mais), onde se joga também a credibilidade do país face aos seus aliados. O MNE tem assento no Conselho do Atlântico Norte (órgão supremo). Augusto Santos Silva, com experiência na Defesa, e inegável capacidade política, pode exercer estas funções em boas condições, impedindo o seu apagamento na agenda política nacional. As relações com os Estados Unidos ou os PALOP são outras frentes importantes da acção externa, que o seu estilo polémico não deverá prejudicar.

Se a secretaria de Estado dos Assuntos Europeus for para Margarida Marques, com uma longa carreira feita na Comissão que lhe permite conhecer os complicadíssimos meandros de Bruxelas, pode ser bastante útil para a articulação com o primeiro-ministro. Costa regressa a um modelo que já deu provas com António Guterres, Durão Barroso e José Sócrates. Com Passos Coelho e Paulo Portas foi diferente, na medida em que o anterior Governo restringiu a política europeia praticamente à dimensão do euro e à diplomacia económica em nome da necessidade de recuperar a credibilidade externa do país, atingida pela crise da dívida em 2011. Pode perceber-se esta visão restritiva. Mas a credibilidade do país mede-se hoje, cada vez mais, por um padrão bastante mais amplo. As consequências dos brutais atentados de Paris, do verdadeiro “estado de sítio” nas ruas de Bruxelas, os avisos dos EUA sobre a probabilidade de atentados à escala global ou a guerra na Síria e as relações com a Rússia obrigam os países europeus a rever muitos dos seus cálculos. Neste clima de crise permanente da integração europeia, as coisas não vão ser fáceis para Costa. O PCP não saiu ainda da concha em que vive fechado desde que acabou a União Soviética. O Bloco ainda não se libertou dos preconceitos contra o Ocidente. Como isto vai ser gerido, só a prática o dirá. O novo Governo vai ter de enfrentar, além disso, uma situação que é nova na relação de Portugal com a União Europeia e a NATO: o impossível consenso entre os dois maiores partidos, que existiu praticamente desde o 25 de Abril, que se reflecte nos programas eleitorais de ambos, mas que vai ser agora muito difícil de reconstruir. Se levarmos a sério as palavras do líder do PSD, nem neste domínio estará disposto a viabilizar qualquer decisão do Governo que não conte com o apoio do Bloco e do PCP, independentemente de estar de acordo ou não com ela.

Costa terá também de encontrar os seus aliados à mesa do Conselho Europeu. Perceberá rapidamente (se ainda não percebeu) que não lhe vale a pena hostilizar a chanceler, e que não é fácil encontrar apoios numa altura em que cada Governo tende a tratar da sua vida e a deixar a solidariedade europeia no frigorífico, incluindo os seus amigos socialistas. O novo primeiro-ministro pode dizer que o PS é o partido mais europeísta do país, o que é verdade. Terá de o provar em circunstâncias muito difíceis.

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