Activista angolano denuncia adulteração de declarações que fez

Julgamento de acusados de quererem derrubar José Eduardo dos Santos prossegue. Ainda só foram ouvidos quatro dos 17 arguidos.

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Herculano Coroado/Reuters

Um dos activistas angolanos que está a ser julgado pela acusação de “actos preparatórios” de rebelião para derrubar o Presidente, José Eduardo dos Santos, disse esta quarta-feira no Tribunal Provincial de Luanda que declarações suas feitas na fase de instrução do processo foram adulteradas.

A denúncia de Nuno Álvaro Dala, o quarto activista a ser ouvido, dos 17 que estão a ser julgados — 15 deles detidos desde Junho —, foi noticiada pelo correspondente da rádio Voz da América em Angola.

Como já aconteceu no interrogatório de outros arguidos, o Ministério Público e o juiz quiseram saber se os activistas queriam ou não destituir o Presidente, quem é o líder do grupo e quais as suas fontes de financiamento.

Segundo o site noticioso Rede Angola, Nuno Álvaro Dala, professor e investigador científico, respondeu que não havia qualquer financiamento e que os encontros de activistas tinham apenas carácter pedagógico e neles eram abordados assuntos políticos e sociais.

Questionado sobre a sua inclusão na lista de um hipotético governo de salvação nacional discutido no Facebook, respondeu que só mais tarde tomou conhecimento do facto porque na altura estava sem acesso às redes sociais. A audição de Dala deve terminar esta quinta-feira e a defesa prevê que o julgamento continue com o interrogatório a Afonso Matias, conhecido como Mbanza Hamza.

O julgamento, que vai na segunda semana, teve nos últimos dias várias peripécias. Foram exibidos vídeos alegadamente feitos por um infiltrado no grupo de activistas que, segundo o Ministério Público, provam a participação dos arguidos em reuniões preparatórias de actos de rebelião.

A exibição foi feita na sequência da audição de Domingos da Cruz, autor do livro Ferramentas para Destruir o Ditador e evitar Nova Ditadura, que começou a ser ouvido na quinta-feira da semana passada e terminou ao início da noite de segunda, tendo pelo meio sido lido em tribunal todo o seu livro.

A agência noticiosa estatal Angop escreveu que nos vídeos os arguidos falam do destino a dar a um possível financiamento, manifestam receio das Forças Armadas e discutem formas de reagir à sua actuação. Terão também mencionado a criação de uma televisão.

Na versão dos activistas, divulgada na página de Facebook de Luaty Beirão — o activista que esteve 36 dias em greve de fome —, as imagens são uma “‘prova’ inofensiva” que mostra Domingos da Cruz a apresentar passagens do seu livro a alguns presentes. “Se existe alguma parte no vídeo em que os réus falaram em financiamento, esta ainda não foi exibida.”

Noutro episódio, na terça-feira, um dos advogados, Walter Tondela, abandonou a sala de audiências em protesto, depois de ter sido impedido de cumprimentar os arguidos presentes, incluindo o que ia ser ouvido, Nuno Dala, e de, segundo a Voz da América, o juiz lhe ter dito que só o podia fazer se a isso fosse autorizado. A defesa acabou por ser assegurada por um defensor oficioso e o arguido respondeu a tudo dizendo que apenas falaria na presença do seu advogado.

Uma novidade desta quarta-feira foi a possibilidade, que passou a existir, de os repórteres poderem acompanhar o julgamento. Desde o primeiro dia, 16 de Novembro, os advogados eram as únicas fontes de informação.

A decisão foi tomada depois de a representante do Ministério Público ter apresentado um requerimento para que isso fosse possível. A procuradora disse estar a receber muitas reclamações por o julgamento estar a decorrer à porta fechada. Uma dessas queixas partiu do Sindicato dos Jornalistas Angolanos.

O juiz, com o acordo da defesa, revogou a decisão que impedia o acesso da imprensa ao tribunal, justificada com as escassas dimensões da sala. Foi determinado preparar uma sala onde o julgamento pudesse ser acompanhado por circuito fechado de TV. Mas na sua página do Facebook, os activistas anti-regime denunciam que os repórteres estão impedidos de levar consigo computadores e telemóveis.

Noutro desenvolvimento do processo, a defesa recorreu para o Tribunal Constitucional da decisão do Supremo de recusar o pedido de habeas corpus para a libertação dos detidos. O recurso deu entrada na terça-feira no Supremo, que tem cinco dias para decidir o envio para o Tribunal Constitucional.

A informação foi avançada à agência Lusa pelo advogado Luís Nascimento, segundo o qual Tribunal Supremo teve “atitude negligente” na apreciação do recurso.

Os juízes daquele tribunal, segundo acórdão divulgado no sábado, concluíram que os prazos de detenção dos arguidos não foram excedidos em Setembro — contrariamente ao que apontava a defesa —, pelo que vão continuar em prisão.

Foi o segundo pedido de habeas corpus rejeitado. O primeiro também foi negado pelo Tribunal Supremo e aguarda-se decisão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

Os arguidos incorrem em penas que podem chegar aos três anos de prisão.

 

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