As canções ritualistas das irmãs Deradoorian em Lisboa

Durante cinco anos a sua voz fez-se ouvir num dos mais estimulantes grupos da música contemporânea, os americanos Dirty Projectors. Agora a americana Angel Deradoorian aventura-se a solo com o álbum The Expanding Flower Planet, apresentando-o esta terça-feira, em Lisboa, na companhia da irmã.

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A americana Angel Deradoorian aventurou-se a solo Bennet Perez

Ao longo dos últimos anos a sua voz podia ser encontrada em canções dos U2, Björk, Vampire Weekend, The Roots, no projecto Slasher Flicks de Avey Tare (Animal Collective) e, principalmente, no contexto do seu ex-grupo de cinco anos, os Dirty Projectors, mas agora a cantora e multi-instrumentista Angel Deradoorian está focada no seu próprio trabalho. Com um álbum lançado recentemente – The Expanding Flower Planet –  apresenta-se esta terça-feira em Lisboa, no Teatro Maria Matos.

Em 2009 já havia lançado um interessante EP a solo (Mind Raft), nessa altura enveredando por uma sonoridade despojada, talvez como reacção às canções complexas, com diversas camadas, que constituíam a imagem de marca do grupo onde cantava e era baixista, os excelentes Dirty Projectors liderados por Dave Longstreth, que viria a abandonar em 2012. Mas é agora com o álbum de estreia que a americana a residir em Brooklyn, Nova Iorque, dá que falar, com canções povoadas por elementos resgatados a diversas escolas (psicadelismo, minimalismo, krautrock, pop ou jazz) e pela sua voz cristalina, flexível e etérea.

Na maior parte dos temas existe uma recusa de estruturas clássicas. Dir-se-iam canções com princípio, sem meio e fim. Canções que parecem conter várias canções, onde ela toca quase todos os instrumentos, concentrando em si a total responsabilidade da operação, talvez como reacção ao facto de durante muitos anos ter estado submetida a vontades alheias.

“É libertador escrever as minhas próprias canções e fazê-lo sozinha neste álbum constituiu uma experiência catártica, mas também é bom ter sido inspirada por toda a música e arte da qual fiz parte”, diz-nos ela. “Mas sem dúvida que criar este álbum foi desafiante.”

Tal como a música, também as letras não são fáceis de categorizar, expondo um universo espiritual muito próprio que parece contaminar uma sonoplastia que contém diversos elementos exóticos, resultado da audição de muita música do Médio Oriente, tornando ainda mais difícil de situar o que ela faz.

“A maior parte das bandas não aprecia explicar a sua música, não é algo que se goste de classificar, por isso sempre que tento explicar a minha música digo coisas completamente diferentes”, afirma ela, acrescentando que não tem exactamente um método de trabalho definido, embora por norma componha primeiro e depois pense na ideia ou na emoção primordial que deseja evidenciar, para só então depois se entregar à escrita das letras. 

A sua música não receia ângulos e movimentos inesperados, com a voz de Angel sublinhando quer o desejo de criar inocentes cantigas de embalar como cantilenas ritualísticas com qualquer coisa de experimental. “As vozes são poderosas indutoras do espírito e gosto da forma como as melodias vocais se podem conjugar com os arranjos sónicos”, reflecte. “A voz pode soar como um instrumento, e os instrumentos soarem como uma voz.”

As suas canções são envoltas por melodias em miniatura, exóticas polifonias vocais e um apurado sentido de tempo e espaço, com um caleidoscópico de partículas abstractas que nunca nos desviam do núcleo das canções, misto de sonhos tão intimistas quanto surrealistas. Percebe-se que aprendeu muito quando esteve nos Dirty Projectors e não o esconde, argumentando que foi nessa altura que compreendeu que existem muitas formas de estruturar as canções e de entender as suas dinâmicas, num movimento onde inúmeros elementos se podem conjugar em simultâneo, acabando por cada um criar o seu próprio colorido.

Ao vivo, enquanto ela se ocupa de voz, baixo e teclados, a irmã de Angel Deradoorian, Arlene Deradoorian, auxilia-a vocalmente e nas percussões, ambas propondo impulsos rítmicos hipnóticos que tanto podem remeter para projectos alemães históricos dos anos 1970 (Can ou Neu!), como para as mantras jazzísticas de Alice Coltrane ou para o pós-punk tribalista das The Raincoats. As suas cantilenas mais ritualistas têm tanto de ancestral, como de hipermodernista, como aliás grupos como os Animal Collective ou os Dirty Projectors não têm parado de nos demonstrar na última década.

“A atmosfera dos concertos é sempre diferente, até porque sou sensível ao ambiente e à vibração, não só das audiências como das salas”, reflecte ela, desejando que as pessoas sintam essa linha de transmissão sugerida pelo cantar e pelos sons, “experienciando dessa forma amor e prazer, tristeza e dor, mistério e maravilhamento, que é o que a música me transmite a mim.”  

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