Mais de um terço das compras do Estado à Oracle são feitas pelo Instituto de Informática

A PJ tem em curso há vários meses uma investigação relacionada com as compras do Instituto de Informática do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social.

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À frente da tabela ficou, pelo segundo ano consecutivo, o site de Alfândega da Fé

As vendas da Oracle à totalidade dos organismos da administração pública portuguesa, através da sua principal distribuidora, a empresa Normática, rondaram os 22 milhões de euros desde Setembro de 2012 até agora. Deste montante, 7,1 milhões (33%) correspondem às aquisições feitas pelo Instituto de Informática (II).

Grande utilizador dos produtos da Oracle (hardware e software) desde há muitos anos, o II reforçou claramente as suas relações com este fabricante após a posse da actual administração do instituto, em Setembro de 2012. O grande salto ocorreu no final de 2013, quando o seu sistema informático começou a ser adaptado às necessidades da criação do Fundo de Compensação de Trabalho, em resultado de uma medida prevista no acordo com a troika.

Para lá da Normática, há mais uma dúzia de distribuidores da Oracle entre os fornecedores do II, embora todos fiquem a uma grande distância desta empresa em volume de negócios. Muitos deles trabalham também com outras marcas e sobretudo em desenvolvimento de software, mas, todos juntos, não venderam mais de 4,3 milhões de euros ao II, entre Setembro de 2012 e Novembro deste ano. A Oracle, por seu lado, ao contrário do que faz com outros organismos públicos, não vende directamente ao II.

Através de uma resolução do Conselho de Ministros publicada em Julho de 2013, o II ficou autorizado a adquirir por ajuste directo, até ao montante de 3,7 milhões de euros, os bens e serviços necessários ao cumprimento daquele objectivo. A ocasião seria aproveitada, de acordo com a decisão governamental, para “rever a arquitectura” do sistema existente, por forma a constituir “um suporte reaproveitável para a evolução estrutural do actual Sistema de Informação da Segurança Social”.

A escolha das soluções Oracle para concretizar esse projecto teve por base, segundo disse na altura o administrador do II João Mota Lopes, um estudo efectuado no interior do instituto. Foi esse documento que o PÚBLICO requereu formalmente ao ministro da Solidariedade e Segurança Social a 2 de Maio de 2014 e que foi disponibilizado no final desse mês.

No texto, de cinco páginas, comparam-se apenas as vantagens da aquisição de soluções de software livre (OSS) com as resultantes da evolução dos sistemas Oracle até aí existentes no instituto. A conclusão, largamente favorável à Oracle em termos financeiros e de qualidade, baseia-se em grande parte, como se lê no documento, numa “referência externa e independente da conceituada empresa de consultadoria Gartner, destacando a liderança do Sistema de Gestão de Base de Dados Oracle [em relação a concorrentes como a IBM e a Microsoft] e onde não existe equivalente alternativa OSS”.

Propôs mas não votou
Com base neste estudo e em duas informações técnicas internas, Mota Lopes propôs ao Conselho Directivo do II, em Setembro de 2013, a aquisição de equipamentos e serviços da Oracle (Normática) no valor de cerca de 1,4 milhões de euros (mais IVA). As propostas foram aprovadas, mas Mota Lopes não participou nas deliberações de adjudicação por se considerar legalmente impedido devido à sua ligação profissional à Oracle. De acordo com as respostas dadas ao PÚBLICO pelo gabinete do ministro Mota Soares em Maio de 2014, a escolhas das soluções Oracle “prende-se essencialmente com as suas especificidades técnicas únicas e completas no mercado, fiabilidade, segurança, e ainda [com] a necessária conjugação com os actuais sistemas do Instituto de Informática, a qual, leva a redução de custos nas Tecnologias de Informação”.

O gabinete do ministro acrescentou que “as plataformas Oracle Exalogic e Oracle Exadata são usualmente utilizados em sistemas informáticos complexos com elevada exigência de fiabilidade e disponibilidade, quer por organismos públicos, quer privados, devido à sua robustez e elasticidade de suportes aplicacionais no contexto das elevadas cargas de dados existentes.”

Depois dos dois contratos de 1,4 milhões de euros, o II celebrou com a Normática até dia 1 deste mês (segundo os dados obrigatoriamente publicados no portal Base) mais nove contratos — alguns dos quais não estão relacionados com o projecto dos fundos de compensação —, no valor total de 5,7 milhões de euros. Seis deles foram adjudicados por concurso público (2,7 milhões) e três por ajuste directo (3 milhões).

A maior parte destes contratos tem a assinatura de Mota Lopes e de António Rapoula, um homem da área das relações públicas que desempenhava as funções de porta-voz da Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa quando foi nomeado vice-presidente do II. Até ao final de 2013, os contratos eram assinados apenas por Pedro Corte Real, um professor da Universidade Nova de Lisboa que então foi exonerado, a seu pedido, do lugar de presidente do instituto.

Pedro Corte Real disse há duas semanas ao PÚBLICO que deixou o II por “motivos pessoais” e sublinhou estar de “consciência tranquila em relação aos procedimentos adoptados” durante o seu mandato, os quais “foram sempre aprovados” pelo conselho directivo e pelo Tribunal de Contas. “Que eu saiba nunca houve qualquer espécie de favorecimento da Oracle, que nalguns casos até acho que foi prejudicada.” Depois da sua saída, o Conselho Directivo do II é composto apenas por António Rapoula e Mota Lopes. O concurso aberto para a designação do presidente está parado no gabinete de Pedro Mota Soares, sete meses depois de, em Março, a CRESAP ter seleccionado três candidatos ao lugar, entre os quais João Mota Lopes.

Tal como Pedro Corte Real, Mota Lopes rejeita qualquer ideia de favorecimento da Oracle e diz que não participa nas deliberações de adjudicação que tenham a ver com esse fornecedor.

No total das compras, de todas as áreas, feitas pelo II entre Setembro de 2012 e Novembro deste ano, 21% correspondem aos 7,1 milhões facturados pela Normática — equivalentes a 33% de todas as suas vendas à administração pública portuguesa, central e local. No mesmo período, a Oracle facturou directamente a esse sector o valor de 8 milhões de euros.

A Polícia Judiciária tem em curso há vários meses uma investigação relacionada com as compras do II. No âmbito desse inquérito já foram ouvidos alguns dos responsáveis do instituto.

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