Não baixar os braços

O combate contra o terrorismo deve ser feito em nome e em defesa da República, com as armas da República.

Uma palavra em memória das vítimas do ataque terrorista de Paris, barbaramente assassinadas pelo mais criminoso e mais desumano dos motivos, por aquele que para nós é o mais fútil dos motivos porque consideramos essa circunstância tão natural como o ar que respiramos: o facto de estarem a gozar a vida e a sua liberdade, entre iguais, entre amigos.

Uma palavra de solidariedade para com os habitantes de Paris, cidade do mundo, cidade da liberdade e da cultura, a nossa cidade, para com os franceses, para com todos os que se sentem solidários com os parisienses e com os franceses neste momento de consternação e de luto, para lhes dizermos, para nos dizermos, que a vida e a liberdade vão continuar a ser gozadas e cultivadas apesar do medo e do terrorismo, não apenas porque essa é a primeira resposta e a resposta mais importante a este acto de barbárie, mas porque não sabemos e não queremos viver de outra forma.

Uma palavra para lembrar todos os outros milhares e milhares de vítimas do terrorismo, vítimas cujo nome não saberemos nunca, em cidades que não conhecemos tão bem como Paris, em aldeias e em campos da Síria, da Líbia, do Afeganistão, do Paquistão, do Sudão, da Eritreia, da Nigéria e pelo mundo fora, escravizados e torturados, deitados em valas e mortos à metralhadora, como os espectadores do Bataclan, ou degolados em praças públicas, certamente tão surpreendidos pela morte e tão inocentes como os jovens de Paris cujas caras nos enchem agora as televisões.

Uma palavra para dizer que o combate a este terrorismo, a todos os terrorismos, não pode ter tréguas, que esse combate deve ser feito com grande firmeza e incluir uma vertente militar e uma vertente policial, mas que esse combate deve ser feito em nome e em defesa da República, com as armas da República, porque a nossa sociedade não teria nada que valesse a pena defender se prescindíssemos desses valores, da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Não é possível defender a humanidade prescindindo da humanidade, não é possível defender a liberdade prescindindo da liberdade e não é possível atacar o terror escolhendo o terror como arma.

Uma palavra de caução porque a construção da sociedade democrática que queremos nunca está acabada, nunca está ao abrigo dos seus inimigos, nunca está garantida e precisa de ser constantemente reinventada, reconstruída, reparada, debatida, adaptada, com esforço e imaginação, com generosidade e correndo riscos. Uma palavra de prudência porque a república precisa de continuar a ser defendida não apenas pelas armas mas principalmente pelas ideias, porque a batalha das ideias nunca está ganha.

Uma palavra de sobreaviso contra os que nos querem convencer de que os inimigos são os que vêm de fora e são tão diferentes de nós que os podemos reconhecer à vista desarmada. Uma palavra de sobreaviso contra os que dizem que não nos podemos dar ao luxo de preservar a liberdade, contra os que nos dizem que a preocupação com a igualdade nos enfraquece, contra os que nos dizem que a fraternidade é demasiado arriscada, que a compaixão é uma fraqueza, que os estrangeiros que nos pedem asilo são uma ameaça.

Uma palavra de estupefacção porque a verdade é que não conseguimos perceber o que move estes jovens, árabes há séculos ou europeus de segunda geração, muçulmanos de sempre ou recém-convertidos, dispostos a sacrificar as suas vidas, a sacrificar as suas famílias, em nome da fanática leitura literal de um velho texto religioso que os incita a nunca pensar por si próprios e a obedecer sempre, a amar a morte acima de todas as coisas e a ver no apocalipse que um dia irá destruir o mundo a razão de ser da sua vida.

Uma palavra de incompreensão porque muitos destes jovens se sentem excluídos e odiados pelas sociedades democráticas onde vivem mas integrados e reconhecidos por uma sociedade esclavagista, ditatorial, sanguinária, sexista e assassina.

Uma palavra de preocupação porque há milhares de jovens árabes e ocidentais que encontram no Daesh, no fanatismo religioso milenarista dos terroristas, a única causa que os mobiliza, a única causa a que estão dispostos a sacrificar a sua vida.

Uma palavra de prudência porque é preciso conhecer o que se combate e a verdade é que há muito nestes terrorismos que não percebemos e que precisamos de conhecer. Uma palavra em favor da inteligência e do estudo, para compreender melhor o que precisamos de combater e de destruir.

Uma palavra de intolerância para com aqueles que querem atacar primeiro e pensar depois, para os que dizem que foi a nossa abertura que fragilizou a nossa sociedade, que dizem que tentar compreender o terrorismo é tentar desculpá-lo, que pensam que o fechamento é uma solução, que querem fazer desta barbárie o caminho que leva a outra barbárie.

Uma palavra para todos, para que nunca baixemos os braços.

jvmalheiros@gmail.com

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