Somos todos Paris

Como alguém tão bem dizia na noite fatídica, os refugiados fogem dos loucos que assombram agora o bem-estar de quem vive em paz e aproveita uma noite de sexta-feira num concerto, num restaurante, num estádio de futebol ou em plena rua

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Christian Hartmann/ Reuters

E, de repente, uma estocada no coração de um continente. Mais uma. Ainda mal refeitos do que aconteceu em Janeiro (onde andaram os Charlies nestes últimos tempos?), os parisienses sofreram nova – e muito maior – hecatombe. À data em que esta crónica é escrita, haviam perecido 129 almas às mãos de terroristas que viram na noite de sexta-feira 13 o momento indicado para espalhar o horror. Esplanadas e restaurantes, um França vs. Alemanha com um estádio a abarrotar pelas costuras e um concerto dos animados Eagles of Death Metal (que, ao contrário do que um asno disfarçado de jornalista andou a bradar, não são uma banda de heavy metal. Fazem rock, do bom, calminho e razoavelmente divertido).

Na génese do terrorismo está a necessidade de calar massas à base de violência maioritariamente passiva. Uma ameaça constante, efectivada de tempos a tempos, torna-nos carneirada mansa e susceptível a quaisquer ordens. Os terroristas não nos vencem quando matam semelhantes nossos: os terroristas vencem-nos quando nos assustam, quando nos injectam medo debaixo da pele e nos impedem de viver as nossas próprias vidas. É aqui que temos de nos fazer armar de coragem. Mas não uma coragem de retaliação literal, à moda de Donald Trump, que veio logo de peito feito dizer que as vítimas deviam trazer armas no bolso para se defenderem. Não. Antes uma coragem barulhenta, de recusa total do silêncio. Falaremos e continuaremos a falar, batalharemos contra aquilo que julgamos incorrecto, apostaremos no nosso modelo social e não faremos do preconceito, do machismo e da xenofobia estilos de vida.

É bem verdade que, em simultâneo, ainda temos de lutar contra os “nossos” mentecaptos que, às primeiras notícias do ataque, colocaram as culpas na “invasão de refugiados”. Como alguém tão bem dizia na noite fatídica, os refugiados fogem dos loucos que assombram agora o bem-estar de quem vive em paz e aproveita uma noite de sexta-feira num concerto, num restaurante, num estádio de futebol ou em plena rua. Os refugiados fogem dos actos de guerra, dos quais não ouvimos falar assim tanto (por exemplo, no dia anterior, o Daesh – nome pelo qual deve ser conhecido o ISIS, por não ser pejorativo - atacou violentamente o Líbano e pouco ou nada se ouviu falar do assunto por cá). Aliás, a hashtag de 13 de Novembro, #PorteOuverte, é uma metáfora extraordinária sobre o que vive a Europa: há um perigo lá fora e há seres humanos ensaguentados a pedir desesperadamente que lhes abramos as portas de nossas casas. Vamos fechar-lhas?

Mas, acima de tudo, e no ponto em que estamos, o urgente não é rezar por Paris. Até porque, ao que se sabe, os milagres são coisas ainda por comprovar. O urgente é reunir coragem, unir as pessoas e fazer dizer uns aos outros que está tudo bem, que estamos cá para o que der e vier. Não podemos cancelar a vida. Não podemos deixar-nos acabrunhar. Devemos exigir segurança às autoridades e nunca – NUNCA! – deixar de exercer o nosso direito humano à liberdade (seja ela qual for). Temos de continuar a sair à noite, ir a concertos, jantar tranquilamente em restaurantes. A dizer, através dos nossos gestos, que não entramos em pânico, que ninguém pode dominar-nos. A dor da perda e o temor estão cá, claro, mas eles não precisam de saber. Eles só têm de ver a nossa coragem, a nossa liberdade. Caso contrário, de que valerá estar vivo se não as tivermos? Se o medo nos agarra, o terrorismo imperará.

Como queremos que a História fale de nós?

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