Se cada bandeira filtrasse uma bala…

A melhor ajuda e solidariedade que todos podemos ter neste momento é… reflectir

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Jason Reed/Reuters

Pão e circo é coisa a que nunca achei muita piada. Não sou entusiasta de templários virtuais e não sou contribuinte de modas colectivas. Os filtros de bandeiras francesas e os "hashtags" virais relativos aos ataques de Paris são o último exemplo de que qualquer coisa, por mais séria ou complexa que seja, legitima à partida uma onda de comportamentos massificada, fútil e estilizada. É certo que este é um tema que interessa a todos, mas não temos todos de nos comportar da mesma forma. Dito isto, tenho a certeza que mais informação traria acções, comentários e pensamentos mais heterogéneos do que bandeiras francesas e votos de boas rezas. Eis alguns exemplos de incongruência e ironia.

#prayforparis: Em alturas de desgraça o tempo urge. A necessidade de arranjar símbolos e lemas que exteriorizem uma suposta solidariedade sentida surge muitas vezes despropositada. Disseminar uma mensagem que remete para religião quando o Estado Islâmico tem uma ideologia política sustentada numa retórica religiosa é infeliz. Isto ganha contornos mais irónicos quando a religião é o maior trunfo jihadista para recrutamento e propaganda.

Ocidente contra Oriente: Os países do Ocidente escondem-se, mas a culpa não morre solteira. Grande parte do financiamento armado do Estado Islâmico é assegurada pelo Ocidente e por países que agora demonstram solidariedade e repúdio aos ataques terroristas. O Estado Islâmico financia-se de três formas: venda de petróleo no mercado negro, onde o preço é muito mais baixo e os países do Ocidente são o cliente; venda de artefactos históricos de monumentos e museus posteriormente destruídos e que interessam muito a compradores ocidentais; impostos pagos pelo povo. Pensar no Ocidente como os “bons” e no Oriente como os “maus” pode ser erróneo. Não é assim tão cristalino.

As redes sociais: É indesmentível que as redes sociais são o suporte favorito para manifestações solidárias relacionadas com o ataque a Paris. Outra curiosidade é que as redes sociais são o meio-chave usado pelo Estado Islâmico para manter contacto com membros dispersos pela Europa, para disseminar mensagens de propaganda e assegurar recrutamento. Este recrutamento é um dos motivos que fazem desta uma rede sólida e fiel, já que o sentimento de “fazer parte” é muito valorizado.

Refugiados, Islão e Terrorismo: São três coisas distintas. É verdade que um ou outro refugiado pode ser terrorista como, aliás, parece ter acontecido em França, mas os refugiados na sua génese são pessoas a tentar fugir dos terroristas. Por seu turno, o Islão é uma religião com costumes que nos parecerão sempre inconcebíveis e retrógrados, mas é uma comunidade vasta, onde esta facção radical terrorista é um subgrupo pequeno.

“Uma bomba e acaba-se com isto”: Na história, as guerras sempre foram de Estado contra Estado, daí que muita gente pense que neste caso específico o assunto se resolve com uma bombinha. Acontece que a luta não é contra um país, é contra uma rede, ou seja, não é uma guerra geográfica comum. Como os “fiéis” estão dispersos geograficamente, o exército físico até poderá ser destruído (é previsível que aconteça), mas a ideia continuará viva. Lutar contra uma nuvem é algo paulatino (as cisões islâmicas têm mais de dez séculos) e combater ideias é a guerra mais difícil de todas.

A melhor ajuda e solidariedade que todos podemos ter neste momento é… reflectir. Perceber quem é o inimigo, as consequências destes ataques, os motivos e falta deles, as particularidades desta guerra, os partidos que ganham pulso com esta situação (Le Pen já começou a profetizar), o apocalipse islâmico e, depois disto tudo, não ir na onda do convencionalismo digital.

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