Memória liberal no centro da cidade

“Quem era o Breiner?” A pergunta, título de um artigo com 20 anos, foi o ponto de partida para descobrir um velho liberal que ficou para sempre ligado à rua simpática e discreta no coração do Porto.

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Um amigo que, durante anos, foi também um dos melhores (provavelmente o melhor) arquivistas de dossiers da cidade, perguntou-me há poucas semanas se eu estava interessada em ficar com parte desse arquivo, exclusivamente dedicado ao Porto. É uma parte pequena de tudo o que já foi, que o resto perdeu-se em circunstâncias várias, incluindo um incêndio, mas eu concordei, de imediato e agradecida, em receber o que restava. Levei, por isso, para casa, uma grossa pasta cheia de páginas amarelecidas de vários órgãos de comunicação, sobre os mais variados temas, e foi ali que encontrei a razão desta crónica.

Entre as folhas guardadas nesta pasta, estavam vários artigos do PÚBLICO, da série “O nome da rua”, escritos pelo Luís Miguel Queirós. De todos eles, houve um que me fez parar, e lê-lo, de ponta a ponta. O título era “Quem era ‘o Breiner’?” e foi publicado há 20 anos. A Rua do Breiner é muito próxima do jornal e pertence àquele núcleo de ruas da cidade em que o nome que lhe foi dado parece ser tão conhecido e familiar que dispensa as formalidades de um nome completo, restringindo-se ao sobrenome. Como a Rua do Almada, por exemplo. Mas se neste caso João de Almada e Melo, o principal responsável pela expansão da cidade e o surgimento da Baixa, no século XVIII, é bastante conhecido, o mesmo não se poderá dizer do Breiner. De facto, quem era o Breiner?

O Luís explica logo no início do seu texto que Pedro de Mello Breyner era um magistrado “que morreu em 1830 na Torre de S. Julião da Barra, onde fora encarcerado dois anos antes, por ordem de D. Miguel, que não lhe perdoou as confessadas convicções liberais”. “O Breiner”, como seria tratado pelos seus conterrâneos, nasceu em 1751, foi desembargador da Relação do Porto e escrivão da Misericórdia do Porto, mas estes são apenas dois dos vários cargos que ocupou, tendo sido o último de todos o de conselheiro de Estado. A subida ao poder de D. Miguel ditou a sua morte na prisão, em Dezembro de 1830, depois de ter sido preso em Maio de 1928.

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O nome do magistrado, apoiante de D. Pedro, foi dado à rua que terá sido concluída em 1822, no espaço que era antes ocupado por uma das muitas quintas do Porto. Presume-se que o baptismo tenha ocorrido em 1834, depois da vitória das tropas de D. Pedro na guerra que o opôs ao seu irmão, D. Miguel (1828-34). Naquela altura, Pedro de Mello Breiner seria tão familiar dos portuenses que estes nem acharam que seriam necessárias grandes explicações na toponímia. A rua era dele, simplesmente do Breiner.

Discreta e familiar, a rua foi a casa de faculdades e escolas e acolhe ainda o British Council, mas nos anos mais recentes, influenciada pelo movimento de reanimação da Baixa e das galerias de arte que se instalaram na vizinha Rua de Miguel Bombarda, foi ganhando novos usos. O Breyner85, espaço de animação cultural e animação, convive com a livraria Simphonia das Letras, uma agência de viagens e uma residência para idosos. Há prédios acabados de renovar e outros a pedir intervenção urgente. Mas, em geral, é uma rua simpática, onde se percebe que ainda vive gente. Onde achamos que seríamos capazes de viver.

Para mim, a Rua do Breiner ficará para sempre ligada a um domingo de manhã bem cedo, já lá vão quase tantos anos como os da crónica do Luís Miguel. O meu telemóvel tocou e era um dos meus chefes a avisar que havia um incêndio na Rua do Breiner. Saltei da cama, enfiei à pressa a roupa e engoli um iogurte enquanto não chegava o táxi. Uns 25 minutos depois do telefonema estava na morada indicada, mas os bombeiros já estavam de saída. Não era nada. Só uma chamazita sem importância rapidamente apagada. Já não voltei para a cama.

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