Novo Banco à espera de uma injecção de 1400 milhões de euros

O Novo Banco não tem condições para resistir a um cenário macroeconómico adverso, o que vai obrigar a um reforço do capital de 1398 milhões.

Foto
Carlos Costa mandatou a liderança do Novo Banco a preparar um plano de reforço de fundos e de reorganização estratégica PATRÍCIA MARTINS

A informação vem eliminar a incerteza sobre o valor das insuficiências associadas à instituição, que foi um factor de bloqueio no processo de venda, mas também expõe fragilidades do modelo de resolução do BES. O Banco Central Europeu (BCE), em articulação com a Autoridade Bancária Europeia, divulgou este sábado os resultados dos testes de stress (esforço) a que foram sujeitos oito bancos europeus considerados de risco sistémico, entre eles o liderado por Eduardo Stock da Cunha. O BCE informou que, do grupo analisado, cinco "tropeçaram" na prova de pressão extrema: “em termos agregados, o défice de fundos próprios dos cinco bancos [Novo Banco, Agence Française de Développement, Mediterranean Bank, Sberbank Europe e VTB Bank] é de 1740  milhões”. Na fotografia o destaque vai para o banco português, com uma insuficiência de 1398 milhões. 

A avaliação do BCE à capacidade de resiliência das instituições a choques externos, nomeadamente, económicos previa dois cenários macroeconómicos distintos com projecção a três anos (2015, 2016, 2017): um quadro base, de maior probabilidade de ocorrência; e um de contexto hostil, de crise económica acentuada e menos plausível. Contas feitas, o Novo Banco passou no primeiro exercício (com um rácio acima da fasquia mínima de 8%), mas chumbou no de pressupostos adversos, com queda do PIB de 2,5% em 2017.

Neste cenário, o rácio de capital do Novo Banco ficaria em 2,4%, aquém do nível de referência mínimo europeu de 5,5%. Recorde-se que, já este ano,o Novo Banco recebeu uma injecção de 379 milhões de euros da venda do BESI ao grupo chinês Haitong e o seu presidente já anunciou medidas de reestruturação com a venda da seguradora GNB-Seguros de Vida. 

As conclusões dos exames do BCE não são, portanto, uma boa notícia para Stock da Cunha, ainda que fiquem longe das expectativas pessimistas que atiravam o “bolo” das insuficiências para 2500 milhões. O banqueiro dispõe de duas semanas para enviar para Frankfurt um plano com soluções para colmatar as necessidades de capital que terá de ser cumprido nos próximos nove meses (teria seis meses se tivesse falhado os exames mais suaves).

O défice de 1398 milhões de euros acabou por confirmar o que já se suspeitava: as contas do Banco de Portugal (BdP) não foram as correctas. E os 4900 milhões injectados em Agosto de 2014 pelo Fundo Resolução não chegaram. Mas as insuficiências não são produto do que foi feito a seguir à resolução do BES, mas de que se passou antes. O supervisor deixou dentro do Novo Banco (já expurgado do BES tóxico) outro “banco mau” que contamina as contas. Não teve em conta o modelo de negócio, sustentado em muitas PME e facilidades de crédito (clubes de futebol, por exemplo) a grandes clientes. E pouco diversificados. A carteira de activos imobiliários do Novo Banco ascende a 3400 milhões de euros. No BES tóxico ficaram os activos com o carimbo Espírito Santo, alguns sem risco.

Caminhos estreitos
Com o fim do ano a aproximar-se abre-se agora um quadro negocial para definir o calendário e o modelo de recapitalização do terceiro maior banco. Carlos Costa já avisou que "a preparação da nova etapa do processo de venda [do Novo Banco] será iniciada de imediato, agora que está afastado um dos principais factores de incerteza que condicionou o procedimento anterior.”  

O líder do PS António Costa criou entretanto um gabinete para acompanhar a evolução do sector financeiro. Os socialistas classificam a resolução do BES de medida politica. E ontem, numa nota enviada à Lusa, concluíram que “a saída limpa do programa de ajustamento com a queda do segundo maior banco privado português apenas três semanas depois não passou de um embuste”. 

Uma dor de cabeça para supervisores, para o Governo e agora também para a oposição que quer sentar-se em São Bento e que vai procurar ganhar tempo para retomar a alienação do banco que virou fracasso. Oito meses depois da operação ter arrancado com aparente grande entusiasmo, pois levantaram o caderno de encargos 17 investidores, chegaram à final três grupos: o Anbang, a Fosun e o fundo Apollo. Mas nenhum se dispôs a pagar o valor pedido pelo Fundo de Resolução.E, em Setembro, o BdP cancelou o concurso.

A resolução impõe que a venda se faça por concurso público, que exige tempo, e não é provável que se encontre uma solução definitiva a curto prazo. Está tudo em aberto: de que modo vai o banco ser recapitalizado? Qual o desenho da venda?

Muitas dúvidas e caminhos estreitos. O Novo Banco não pode voltar a recorrer ao Fundo de Resolução para se recapitalizar, pois a lei não o permite, e os banqueiros não querem. E qualquer injecção de verbas estatais é considerada ajuda pública com impacto no défice e que o Estado está impedido de dar, mesmo que temporariamente. Só pode intervir mediante autorização da Direcção-Geral da Concorrência da União Europeia, que faz depender o “sim” de remédios draconianos do ponto de vista da situação do banco. E, segundo as novas regras, a medida terá sempre de ser precedida de um resgate (bail-in).

A partir de 1 de Janeiro de 2016, uma instituição com escassez de capital antes de pedir ajuda ao Estado tem de recorrer aos obrigacionistas juniores e seniores e aos grandes depositantes. E transformar a divida e os depósitos em capital até perfazer 8% do balanço. Uma solução que facilita a fuga de depósitos e agrava a percepção de risco do país. E sempre que um banco emitir dívida piora o custo do funding. No limite, pode gerar uma crise de liquidez com efeitos sistémicos. Bruxelas pode, por isso, alegar que no caso do Novo Banco a regra não se aplica pois a recapitalização já estava em curso.

É previsível, portanto, que o próximo Governo procure negociar com Frankfurt e Bruxelas um quadro de excepção que dê folga ao Novo Banco para operar com rácios abaixo da média, o que constitui uma negação das normas europeias. Mas permite não entrar em terreno desconhecido.

A venda passaria para o accionista privado a tarefa de colocar os rácios de capital nos níveis exigidos. Mas o actual contexto de instabilidade politica não ajuda a atrair investimento. E um dos desafios do próximo primeiro-ministro é controlar a onda negativa para impedir que a bola comece a rolar.

Enquanto decorrem os contactos de bastidores desenvolvem-se “estudos” para redefinir um novo perímetro com redução de quadros e de balcões (em Junho o banco tinha cera de 7500 colaboradores e 669 agências).

O BdP já disse que retomar o concurso público de venda não vai dispensar um programa de reestruturação. E foi o que ontem veio lembrar, ao referir que mandatou Stock da Cunha “para elaborar um plano de reforço de fundos próprios e de reorganização estratégica”, um trabalho “iniciado em antecipação da existência de necessidades de reforço de fundos próprios e que deverá ser apresentado nas próximas semanas”. O BdP contratou Sérgio Monteiro, o ex-secretário de Estado das Obras Públicas, que protagonizou as polémicas à volta da privatização da TAP, para liderar o negócio. 

No quadro da reestruturação do Novo Banco há várias soluções em análise. Uma delas, mais agressiva, passa por expurgar do Novo Banco, o banco mau que ficou “esquecido” aquando da resolução do BES. E tornar o banco enxuto para venda. Outra via, mais suave, envolve a alienação de activos, com redução de pessoal, encerramento de agências. Medidas já em curso. Um pequeno passo insuficiente para suprir as necessidades, mas que agiliza a estrutura orgânica da instituição. E há a solução agora em “voga” no BdP inspirada na resolução do banco inglês Lloyds, após nacionalização: reestruturar e abrir progressivamente o capital do Novo Banco a privados o que permitirá a recapitalização gradual. Falta saber se a via é possível.

Continuam a persistir dúvidas sobre como vai o sistema absorver o prejuízo resultante da alienação do banco abaixo dos 4900 milhões (3900 milhões foram emprestados pelo Estado) colocados no Fundo de Resolução. O BdP já informou que os bancos terão de injectar no Fundo o equivalente ao que vier a ser o prejuízo da alienação da instituição, mas não vão ser obrigados a contabilizar à cabeça o total das contribuições.  

Em Dezembro de 2014, quando foi lançado o concurso público para reprivatizar o Novo Banco, o Governo e o supervisor garantiram que a operação não traria prejuízo e talvez gerasse mesmo um pequeno lucro para o Fundo de Resolução. Uma ilusão. Hoje é um dado adquirido que a instituição não vale os 4900 milhões que recebeu e que a venda implicará uma perda grande que terá de ser suportada pelos bancos. A factura, já se sabe, vai ser “enviada” ao contribuinte.   

Sugerir correcção
Ler 9 comentários