Começou a reconquista de Sinjar, o primeiro palco das atrocidades do Estado Islâmico

Milhares de curdos e yazidi tentam conquistar uma das cidades mais importantes na batalha contra os jihadistas. Lá, há um ano, o grupo matou e escravizou milhares de pessoas.

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Combatentespeshmerga nas operações desta quinta-feira em Sinjar. Safin Hamed/AFP

O autoproclamado Estado Islâmico fez de Sinjar o seu primeiro grande palco mediático, ainda em 2014. Pôs dezenas de milhares de pessoas em fuga pelas montanhas áridas, matou lá milhares de homens e raptou milhares de mulheres e crianças. Delas fez escravas sexuais, vendidas entre combatentes. Das crianças, futuros recrutas jihadistas. Na madrugada desta quinta-feira, mais de um ano depois de perderem esta cidade no Norte do Iraque, milhares de combatentes curdos e yazidis começaram aquilo que dizem ser a derradeira ofensiva para a reconquistar.

Há semanas que caças norte-americanos bombardeiam Sinjar e fizeram-no nesta quinta-feira mais uma vez, nas primeiras horas do ataque. Seguiu-se fogo de rockets e, só depois, a entrada pelo terreno de uma grande coluna militar. É composta por 6500 combatentes curdos, os peshmerga, cerca de mil yazidis e centenas de curdos da Turquia, do ilegalizado – e terrorista, segundo o Ocidente – Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).

Ao final desta manhã, as autoridades reclamavam terem conquistado troços da auto-estrada que passa por Sinjar e que a liga a dois grandes centros de poder do Estado Islâmico. O Governo da região semiautónoma do Curdistão, no comando, dizia também ter capturado várias localidades nos arredores da cidade, incluindo a importante vila de Tal Afar, a caminho de Mossul.

Sinjar foi capturada em Agosto de 2014, no auge da campanha relâmpago do Estado Islâmico no Iraque. Dias antes, os extremistas tinham capturado Mossul, para espanto do comando iraquiano e norte-americano em Bagdad. A ofensiva desta quinta-feira foi atrasada por disputas internas entre partidos curdos iraquianos, cada um tentando liderar a batalha. É Massoud Barzani, presidente do Curdistão iraquiano, quem aparece nas fotografias da ofensiva.

Controlar Sinjar significa devolver uma casa aos yazidis, quase todos os habitante da cidade e, aos olhos do Estado Islâmico, apóstatas. É também crucial para a batalha, na Síria e Iraque, contra o grupo jihadista.

“Está a ir de acordo com o planeado”, dizia esta manhã à Reuters um dirigente político local, já passadas horas do início dos combates. “Estamos optimistas e encaramos o dia de hoje como uma celebração”, acrescentou.

A captura de Sinjar será demorada. Os peshmerga tentaram uma outra grande ofensiva em Dezembro. Capturaram cerca de um quinto da cidade ao Estado Islâmico, mas não foram capazes de ultrapassar a resistência no centro.  O objectivo é, por enquanto, dominar os acessos à cidade, capturar o maior número possível de bairros e construir uma zona de protecção de artilharia para os residentes.

Os comandantes curdos estimam que nos arredores e centro da cidade estejam cerca de 700 combatentes jihadistas. Os norte-americanos dizem entre 400 a 550. Estão entrincheirados e preparados para defenderem as suas posições. A ofensiva curda e yazidi não era segredo, e o grupo recebeu centenas de reforços vindos da Síria nas últimas semanas.

Passo estratégico

As reconquistas de zonas urbanas ao Estado Islâmico mostram que o mais provável é que a cidade esteja intensamente armadilhada e que se podem esperar grandes vagas de ataques suicidas. No passado, os jihadistas travaram rivais depois de terem armadilhado casas, campos e estradas com grandes explosivos caseiros. E com comprovada eficácia e mortalidade.

“Esperamos muitos IEDS [termo inglês para explosivos improvisados], carros-bomba e bombistas suicidas”, enumera Rawan Barzani, comandante curdo, citado pelo Washington Post. “Conseguir reconquistar Sinjar é crucial, porque depois o Estado Islâmico tem de decidir entre Raqqa e Mossul”.

Este é o grande passo estratégico na luta contra o Estado Islâmico. Sinjar está entre os dois grandes bastiões dos jihadistas na Síria e Iraque e controlar a cidade significa dominar também a auto-estrada que as liga. A Oeste de Sinjar, há Raqqa, o coração dos jihadistas na Síria, que a proclamaram sua capital. A Leste, há Mossul, o seu centro de poder iraquiano. Sem Sinjar, o ponto intermédio, os jihadistas perdem a principal linha de abastecimento entre a Síria e o Iraque, obrigando-se a usar meios menos eficazes para comunicar entre os seus centros de poder.

A luta dos yazidis

Sinjar é estratégica, mas também simbólica. Foi o gatilho para a intervenção aérea norte-americana no Iraque e Síria, que ainda ponderou uma operação para assistir as mais de 50 mil pessoas que fugiram para a montanha imediatamente atrás da cidade. É de lá que os curdos comandam as operações desta quinta-feira. Os sobreviventes ficaram ali encurralados durante duas semanas, assistidos por aviões norte-americanos, que lhes atiraram comida e água dos ares. Acabaram resgatados por combatentes curdos.

Os yazidis praticam uma religião que antecede o Islão, transmitida sobretudo na cultura oral mas que se baseia tanto na Bíblia como no Alcorão. São apóstatas aos olhos do Estado Islâmico.

“É a nossa terra e a nossa honra”, disse um dos combatentes yazidis à Reuters, um dia antes do assalto desta quinta-feira. “Eles [Estado Islâmico] roubaram a nossa dignidade. Queremo-la de volta.”

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